Trânsito
Das motos para a Rede Sarah
As mortes de motociclistas aumentaram 28% nos últimos dois anos no Distrito Federal. Se não terminam em tragédias, na maioria das vezes, os acidentes deixam sequelas graves, como aquelas de quase metade dos pacientes da Rede Sarah em 2013.
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Luiz Roberto Buzu, 63 anos, vítima de acidente em 2010, defende a exigência da CNH no ato da compra de uma moto |
“Eu descia a avenida principal de moto, e a mulher não respeitou a placa Pare. Tentei desviar do carro dela, colidi no meio fio e voei 7m, até bater com o peito e a cabeça em um poste.” O relato é do técnico em informática Talles Rafael Teixeira da Silva Souza, 20 anos (leia Depoimento), que vive hoje em uma cadeira de rodas. O ex-motociclista é um dos pacientes em reabilitação na Rede Sarah, onde condutores ou passageiros de motos representaram 47% das internações por acidentes de trânsito no primeiro semestre de 2013. ...
Mas, na guerra do asfalto, também travada sobre duas rodas, nem todos escapam para contar as suas histórias. No Distrito Federal, 68 condutores de moto morreram entre janeiro e setembro. A conta não inclui as outras vítimas das motocicletas, como pedestres, passageiros, ciclistas e até condutores e ocupantes de outros tipos de veículos. Em 2012, por exemplo, o número de mortos em acidentes envolvendo motocicletas chegou a 122, contra 123 de 2011. No mesmo período, houve uma queda de 13% na quantidade de colisões envolvendo os demais veículos (veja ilustração).
Na edição de ontem, o Correio mostrou que, de 2002 a outubro deste ano, a quantidade de motos em circulação aumentou 291% . Eram 42.415 unidades e, agora, 165.874. Na análise do professor da Universidade Federal da Bahia Marcos Thadeu Queiroz Magalhães, especialista em arquitetura e urbanismo e doutor em transportes, o transporte público caro e ruim, os congestionamentos e a facilidade na compra explicam, em parte, o fenômeno (leia Artigo).
Formação
Parte das tragédias poderia ser evitada com a melhoria na formação dos pilotos, campanhas de massa e fiscalização rigorosa. Mas, no Distrito Federal, desde o segundo semestre de 2009, o Detran não investe em campanhas educativas. Segundo a autarquia, faz pelo menos dois anos que o processo está pronto na Secretaria de Publicidade aguardando para ser licitado. “Não depende mais de nós. O que temos feito são blitzes educativas e de fiscalização em pontos críticos. Também estamos concluindo um estudo, que vai revelar o que tem provocado os acidentes com morte. Aí, vamos combater as causas”, informou o diretor adjunto do Detran, Francisco Saraiva.
A autarquia também elabora um projeto para propor ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran) regras mais rigorosas para habilitar o motociclista. Aumentar a quantidade de aulas práticas e aprofundar os temas relativos à direção defensiva são alguns pontos em discussão. “O Contran precisa melhorar a qualificação dessas pessoas”, alerta Saraiva.
Artigo
Políticas ineficientes
Durante muito tempo, falou-se na chamada “demanda cativa” de usuários dos transportes coletivos, que seriam pessoas irremediavelmente dependentes desse serviço. Essa linha de pensamento é a mesma que vincula a ideia de que transporte coletivo serve para atender o mais pobre. Isso tem caído por terra. Primeiro porque, em diversos casos, constata-se que as pessoas acabam por encontrar outras formas de se deslocar e até por desistir de realizar uma viagem por conta das barreiras (financeiras, infraestruturais e por qualidade inaceitável).
Os avanços na mobilidade urbana têm permitido alternativas, mesmo que de forma ainda pouco expressiva. As bicicletas e as motos são exemplos. Inclusive a rede cicloviária do Plano Piloto é um bom exemplo. Já conheço pessoas que, pouco a pouco, substituem o uso diário do automóvel pela bicicleta, e de forma persistente!
As motocicletas têm algumas características interessantes: baixo preço de aquisição em relação aos automóveis. Por cerca de R$ 5 mil, é possível adquirir uma. Ela tem baixo custo de manutenção; gasta menos combustível (algumas fazem 40km/l); tem pouca necessidade de espaço para estacionamento; e não fica retida no engarrafamento.
Mas nem tudo são flores. As estatísticas de acidentes, no Brasil e no mundo, ainda mostram que os usuários de motocicletas estão entre os mais vitimados, inclusive em acidentes fatais. A motocicleta tem menor capacidade para transportes de compras e de crianças pequenas, além de ser bastante incômodo andar com ela na chuva.
Marcos Thadeu Queiroz Magalhães, é graduado em arquitetura e urbanismo, doutor em transportes e professor na Universidade Federal da Bahia
Depoimento

“Era muito imprudente”
“Tinha acabado de tirar a carteira da categoria A, mas pilotava moto desde os 13 anos. Comprei por questões financeiras. Além de mais barato, o deslocamento é mais rápido. O acidente foi em 30 de outubro do ano passado. Eu estava em uma YBR 125. Foi tudo muito rápido. Sou um cara esperto. Percebi que o meu caso era grave e, dificilmente, voltaria a andar. Eu namorava havia quatro meses. Chamei-a e disse: ‘Você é jovem, muito bonita, não quero essa vida para você. Segue o seu caminho, que você merece encontrar outra pessoa e ser feliz’. Mas ela não aceitou. Teimou com a minha família, teimou com os médicos e ficou ao meu lado o tempo todo. Uns 10 dias depois da alta, ela chegou lá em casa e falou: ‘Vamos ali no cartório. A gente vai se casar. Eu perguntei: ‘Como assim? Não vou me casar com você’. Ela não arredou o pé. Já tinha arrumado tudo. Aí, eu casei. Olhando para trás, vejo que era muito imprudente. Eu corria muito. Apesar do que aconteceu, até hoje, não entrei em depressão. Perdi o movimento das minhas pernas, mas ganhei a minha esposa.”
Talles Rafael Teixeira da Silva Souza, 20 anos
Em busca de reabilitação
Atualmente, 309.480 brasilienses têm habilitação para guiar motos. O número é 79,5% maior do que em 2002. Mesmo assim, a falta do documento aparece entre as principais infrações. Transitar pelo corredor, com o farol apagado e sem a viseira do capacete também são práticas recorrentes. O Sindicato dos Motociclistas Profissionais do DF (Sindimoto) estima que, das 165.874 motos, cerca de 40 mil são usadas em serviço. Só 5 mil motociclistas atuam com carteira assinada. “A nossa preocupação é qualificar os profissionais. E os governos devem investir em campanhas educativas”, defende o presidente da entidade, Reivaldo Alves.
Dez dias após a aposentadoria e com planos de levar uma rotina mais tranquila ao lado da mulher e das duas filhas, Luiz Roberto Buzu, 63 anos, viu a vida dar uma reviravolta. Ficou sem os movimentos após perder o controle da moto, que teve um pneu furado. Após três anos, ele recuperou parte do controle sobre os braços e consegue caminhar até 50 minutos no andador. “O Congresso deveria aprovar uma lei exigindo a apresentação da CNH no ato da compra”, sugere.
Casados há cinco anos, os gaúchos Bento Soares, 25, e Karla Rodrigues Soares, 26, enfrentam a luta dele pela reabilitação no Sarah. Há cinco meses, o motorista de um carro fez uma manobra proibida, e Bento não conseguiu frear. Parte da coluna teve de ser refeita, assim como os ossos da bacia. “Tenho o sonho de voltar a ser o que era antes. Nem tudo é como a gente quer, mas farei a minha parte”, diz.
Para Bento, haverá menos vítimas no trânsito se o condutor do carro ficar mais consciente e entender que a moto é menos visível e muito rápida. “Eu dou graças a Deus porque a minha esposa não estava comigo e por não ter sido eu o responsável por deixar alguém numa cadeira de rodas”, desabafa.
Fonte: BLOG DO SOMBRA