Catadores de histórias
Biblioteca da Estrutural será reinaugurada com livros encontrados no lixão
Ideia é reinaugurar uma biblioteca até janeiro.
Grupo de estudantes da UnB põe a mão na massa para montar espaço que mais tarde será usado pela comunidade |
Garrafas de refrigerante, restos de comida e de material de construção, móveis e roupas usadas. Todos os dias, o Lixão da Estrutural, o maior a céu aberto da América Latina, recebe mais 2 mil toneladas de resíduos que se juntam à montanha formada ao longo dos últimos 40 anos. Mas os descartes da capital podem oferecer mais do que sobrevivência. Deles, também brotam livros. “Muitos chegam em excelente estado. Comecei a guardar e, aos poucos, fazer rodas de leitura com as crianças que moravam perto”, conta Maria Abadia Teixeira de Jesus, 50 anos.
Líder comunitária, Abadia começou sua história com a Estrutural em 1993, quando parte da família mudou-se para a cidade e passou a viver da reciclagem. Aos poucos, a costureira decidiu abandonar agulhas e tesoura e investir no reaproveitamento do lixo. O barracão usado para separar os resíduos virou ponto de encontro da meninada da região, que, na década de 1990, nem sequer contava com escolas ou qualquer outro serviço público. A estrutura improvisada foi ganhando ares de biblioteca. “A gente encontrava uma estante e levava para lá. Pegava um baú e usava para guardar os livros e evitar que sujassem”, lembra. ...
De 1998 a 2005, o espaço cresceu. Chegou a acumular 8 mil exemplares. Os empréstimos e devoluções sempre foram feitos de maneira informal, quase de forma intuitiva. A mineira de Unaí, que fez magistério e sempre sonhou em ser professora, lembra que chegou a inventar um código próprio de catalogação dos livros, na tentativa de organizar o acervo. A estrutura precária do local, que não oferecia um ambiente seguro especialmente para as crianças, foi alvo de preocupação do Conselho Tutelar e, aos poucos, as atividades da biblioteca improvisada acabaram reduzidas.
Em 2010, com os preparativos para a chegada do projeto Ponto de Memória à Estrutural, a ação voltou a ganhar força. O projeto uniu a comunidade, o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e o Governo do DF com o objetivo de preservar a história da cidade e fortalecer as demandas das 48 mil pessoas que hoje vivem no local. A parceria permitiu ainda que a Universidade de Brasília (UnB) alcançasse a região por meio do Projeto de Extensão. A coordenadora do curso de museologia, Silmara Küster, destaca a importância da ação. “A ideia era ajudarmos na construção de um inventário participativo. Promovemos palestras, oficinas e mobilizamos alunos.”
No início deste ano, surgiu a ideia de reconstruir a biblioteca e o projeto ganhou novo nome: Catando palavras. “Passamos por um momento muito importante, com o apoio da universidade e de pessoas muito interessadas em dar uma grande contribuição”, avalia Abadia. Aluna do sétimo semestre do curso de biblioteconomia, Thaynara Melo Rodrigues, 21 anos, é uma das voluntárias do projeto. Com um histórico de lutas em movimentos sociais e estudantis, encontrou na iniciativa terreno fértil para colocar em prática o que estudou. “É uma troca. Trazemos um pouco dos métodos para que eles possam otimizar os processos, mas sem assistencialismo. Aprendemos muito também”, conta.
Mobilização
Além de Thaynara, estudantes dos cursos de museologia, biblioteconomia, arquivologia, sociologia, arquitetura, comunicação social e ciência política integram a ação. Os livros estão passando por classificação, a biblioteca ganhou logomarca, e o espaço, estrategicamente localizado próximo à Escola Classe 2 e à entrada da cidade, está em plena reforma. “Se tudo der certo, vamos reabrir em dezembro ou janeiro, no máximo”, diz, orgulhosa, Abadia.
Deborah Santos, professora da UnB que também acompanha o projeto, revela que o desejo da líder comunitária vai muito além de ver a unidade de portas abertas. “O sonho dela é tirar essas crianças da rua e trazê-las para cá, onde podem viajar na leitura, sem sair do lugar.” Apesar de a Estrutural contar atualmente com duas escolas públicas e ambas serem equipadas com bibliotecas, apenas os alunos regularmente matriculados podem utilizá-las. Além disso, as obras disponíveis atendem o público-alvo dos colégios, crianças de até 13 anos.
“Por meio do livro, podemos acessar o conhecimento. Todo mundo que lê é um ser humano melhor. A leitura é um método de resistência, especialmente em um lugar como a Estrutural, onde temos muita pobreza, muito preconceito”, observa Maria Abadia.
Memória
A ocupação da Estrutural teve início na década de 1960, quando o governo local escolheu uma área próxima a dois córregos e uma região de mananciais para receber o lixo da nova capital. Ficava ao lado do Parque Nacional de Brasília.
» 1990: 270 famílias de catadores de lixo vivem em favela junto do aterro sanitário, entre o Parque Nacional de Brasília e a Via Estrutural
» 1991: o deputado distrital José Edmar apresenta projeto de lei criando a Cidade da Estrutural
» 1993: o número de famílias sobe para 723
1994: após a eleição de Cristovam Buarque, o total de barracos chega a 1,5 mil
» 1997: o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF destina a área para a instalação de indústrias não poluentes. Em julho daquele ano, incentivados por políticos, novos invasores começam a inchar a região. Durante esse período, foram registrados episódios de violência na tentativa de retirar os moradores. Em um único dia, a Novacap derruba mais mil barracos
» 1998: em 8 de agosto, um policial militar e cinco invasores morrem em confrontos
» 1999: com a volta do governo de Joaquim Roriz, a ideia de regularizar a invasão é retomada
» 2004: é criada a Administração Regional do Setor Complementar de Indústria e Abastecimento, formada pela Cidade Estrutural e a Cidade do Automóvel, a 25ª região administrativa do Distrito Federal
» 2010: o GDF começa a entregar as primeiras escrituras de lotes na Estrutural
AJUDE /Para entrar em contato com o projeto, acesse a página no Facebook: www.facebook.com/CatandoPalavras
Líder comunitária, Abadia começou sua história com a Estrutural em 1993, quando parte da família mudou-se para a cidade e passou a viver da reciclagem. Aos poucos, a costureira decidiu abandonar agulhas e tesoura e investir no reaproveitamento do lixo. O barracão usado para separar os resíduos virou ponto de encontro da meninada da região, que, na década de 1990, nem sequer contava com escolas ou qualquer outro serviço público. A estrutura improvisada foi ganhando ares de biblioteca. “A gente encontrava uma estante e levava para lá. Pegava um baú e usava para guardar os livros e evitar que sujassem”, lembra. ...
De 1998 a 2005, o espaço cresceu. Chegou a acumular 8 mil exemplares. Os empréstimos e devoluções sempre foram feitos de maneira informal, quase de forma intuitiva. A mineira de Unaí, que fez magistério e sempre sonhou em ser professora, lembra que chegou a inventar um código próprio de catalogação dos livros, na tentativa de organizar o acervo. A estrutura precária do local, que não oferecia um ambiente seguro especialmente para as crianças, foi alvo de preocupação do Conselho Tutelar e, aos poucos, as atividades da biblioteca improvisada acabaram reduzidas.
Em 2010, com os preparativos para a chegada do projeto Ponto de Memória à Estrutural, a ação voltou a ganhar força. O projeto uniu a comunidade, o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e o Governo do DF com o objetivo de preservar a história da cidade e fortalecer as demandas das 48 mil pessoas que hoje vivem no local. A parceria permitiu ainda que a Universidade de Brasília (UnB) alcançasse a região por meio do Projeto de Extensão. A coordenadora do curso de museologia, Silmara Küster, destaca a importância da ação. “A ideia era ajudarmos na construção de um inventário participativo. Promovemos palestras, oficinas e mobilizamos alunos.”
No início deste ano, surgiu a ideia de reconstruir a biblioteca e o projeto ganhou novo nome: Catando palavras. “Passamos por um momento muito importante, com o apoio da universidade e de pessoas muito interessadas em dar uma grande contribuição”, avalia Abadia. Aluna do sétimo semestre do curso de biblioteconomia, Thaynara Melo Rodrigues, 21 anos, é uma das voluntárias do projeto. Com um histórico de lutas em movimentos sociais e estudantis, encontrou na iniciativa terreno fértil para colocar em prática o que estudou. “É uma troca. Trazemos um pouco dos métodos para que eles possam otimizar os processos, mas sem assistencialismo. Aprendemos muito também”, conta.
Mobilização
Além de Thaynara, estudantes dos cursos de museologia, biblioteconomia, arquivologia, sociologia, arquitetura, comunicação social e ciência política integram a ação. Os livros estão passando por classificação, a biblioteca ganhou logomarca, e o espaço, estrategicamente localizado próximo à Escola Classe 2 e à entrada da cidade, está em plena reforma. “Se tudo der certo, vamos reabrir em dezembro ou janeiro, no máximo”, diz, orgulhosa, Abadia.
Deborah Santos, professora da UnB que também acompanha o projeto, revela que o desejo da líder comunitária vai muito além de ver a unidade de portas abertas. “O sonho dela é tirar essas crianças da rua e trazê-las para cá, onde podem viajar na leitura, sem sair do lugar.” Apesar de a Estrutural contar atualmente com duas escolas públicas e ambas serem equipadas com bibliotecas, apenas os alunos regularmente matriculados podem utilizá-las. Além disso, as obras disponíveis atendem o público-alvo dos colégios, crianças de até 13 anos.
“Por meio do livro, podemos acessar o conhecimento. Todo mundo que lê é um ser humano melhor. A leitura é um método de resistência, especialmente em um lugar como a Estrutural, onde temos muita pobreza, muito preconceito”, observa Maria Abadia.
Memória
A ocupação da Estrutural teve início na década de 1960, quando o governo local escolheu uma área próxima a dois córregos e uma região de mananciais para receber o lixo da nova capital. Ficava ao lado do Parque Nacional de Brasília.
» 1990: 270 famílias de catadores de lixo vivem em favela junto do aterro sanitário, entre o Parque Nacional de Brasília e a Via Estrutural
» 1991: o deputado distrital José Edmar apresenta projeto de lei criando a Cidade da Estrutural
» 1993: o número de famílias sobe para 723
1994: após a eleição de Cristovam Buarque, o total de barracos chega a 1,5 mil
» 1997: o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF destina a área para a instalação de indústrias não poluentes. Em julho daquele ano, incentivados por políticos, novos invasores começam a inchar a região. Durante esse período, foram registrados episódios de violência na tentativa de retirar os moradores. Em um único dia, a Novacap derruba mais mil barracos
» 1998: em 8 de agosto, um policial militar e cinco invasores morrem em confrontos
» 1999: com a volta do governo de Joaquim Roriz, a ideia de regularizar a invasão é retomada
» 2004: é criada a Administração Regional do Setor Complementar de Indústria e Abastecimento, formada pela Cidade Estrutural e a Cidade do Automóvel, a 25ª região administrativa do Distrito Federal
» 2010: o GDF começa a entregar as primeiras escrituras de lotes na Estrutural
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