sexta-feira, 14 de julho de 2017

HOMICÍDIOS



Cidades latino-americanas lideram taxas de homicídios no mundo



Desigualdade social, urbanização não planejada, políticas antidrogas falhas, impunidade, disponibilidade de armas e cultura machista. Esses são alguns dos fatores que contribuem para que cidades latino-americanas liderem ranking mundial de homicídios, segundo especialistas.
A América Latina e o Caribe concentram apenas 8% da população global, mas respondem por mais de 33% dos homicídios do mundo, de acordo com o Observatório de Homicídios, do Instituto Igarapé. Quatorze dos 20 países com as maiores taxas de assassinato globalmente estão localizados na região. Leia a reportagem completa.
Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Foto: Agência Brasil/Tomaz Silva
Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Foto: Agência Brasil/Tomaz Silva

Desigualdade social, urbanização não planejada, políticas antidrogas falhas, impunidade, disponibilidade de armas e cultura machista. Esses são alguns dos fatores que contribuem para que cidades latino-americanas liderem ranking mundial de homicídios, segundo especialistas.
Em 2015, ocorreram estimados 468 mil homicídios no mundo, sendo que a região das Américas concentrou as maiores taxas globalmente, de 32,9 para cada 100 mil habitantes, apontou relatório recente da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Honduras tem o maior índice da região, com 85,7 assassinatos para cada 100 mil habitantes, seguida por El Salvador (63,2), Venezuela (51,7), Colômbia (48,8) e Belize (37,2). O Brasil aparece em nono lugar, 30,5 homicídios para cada 100 mil habitantes. Como comparação, Canadá e Estados Unidos têm índices muito inferiores, de 1,8 e 5,3, respectivamente.
A América Latina e o Caribe concentram apenas 8% da população global, mas respondem por mais de 33% dos homicídios do mundo, de acordo com o Observatório de Homicídios, do Instituto Igarapé. Quatorze dos 20 países com as maiores taxas de homicídio do mundo estão localizados na região.
“O homicídio na América Latina não é monocausal. Não ocorre em função de um só fator de risco”, disse ao Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil (UNIC Rio) o especialista em segurança e desenvolvimento e um dos fundadores do Instituto Igarapé, Robert Muggah.
“No entanto, alguns fatores se destacam (…). A América Latina tem altas taxas de desigualdade. As cidades são extremamente desiguais, e há forte associação entre desigualdade e violência”, completou.
Em maio, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) mostrou que o ritmo de declínio da desigualdade nos países latino-americanos desacelerou entre 2012 e 2015, enquanto os níveis atuais permanecem muito altos para alcançar o desenvolvimento sustentável.
O coeficiente de Gini para os rendimentos pessoais em 2015 mostrou um valor médio de 0,469 para 17 países da região (0 representa ausência de desigualdade e 1 desigualdade máxima), um nível considerado elevado quando comparado a outras regiões do mundo.
Para o sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), questões estruturais como pobreza e desigualdade contribuem para a violência, mas há exceções.
No caso da América Latina, existem países de baixa renda como a Bolívia, por exemplo, que registram altas desigualdades e baixas taxas de homicídio (13,6 a cada 100 mil habitantes, segundo o relatório da OMS).
É nesse ponto que outros fatores passam a fazer diferença. Muggah, do Igarapé, cita o processo de urbanização rápido e desordenado de grandes cidades latino-americanas. “Há altos índices de ‘periferização’, informalidades, favelas. Isso cria uma desorganização social que reproduz violência. Quando há crescimento estável, há menos taxas de violência”, declarou.
Outros fatores comuns a países da região é a violência perpetuada pelo Estado. Segundo Muggah, por conta de longos períodos de ditadura militar, as forças policiais são treinadas para reprimir fortemente, enquanto ao mesmo tempo há altos índices de impunidade.
“Quando os crimes ocorrem, raramente são resolvidos. (…) O custo do crime é muito baixo. Quando há esses níveis de impunidade, o que acontece é que socialmente se criam normas que legitimam a violência.”
Ignacio Cano, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Foto: Juan Manuel Herrera/OAS
Ignacio Cano, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Foto: Juan Manuel Herrera/OAS

Aumento dos homicídios no Brasil

De acordo com o Mapa da Violência 2016, o Brasil teve 42,2 mil homicídios por arma de fogo em 2014, uma alta de quase 600% frente a 1980. Mesmo considerando o avanço populacional no período, que segundo o relatório foi de 65%, trata-se de um aumento alarmante.
A evolução não foi uniforme ao longo dos anos. A partir do pico de 36,1 mil mortes registrado em 2003, esse número caiu para cerca de 34 mil entre 2004 e 2007, baixa atribuída ao Estatuto e à Campanha do Desarmamento, iniciados em 2004.
A partir de 2008, no entanto, os números voltaram a subir para 36 mil mortes anuais, crescimento que se acelerou principalmente depois de 2012. Segundo o Mapa da Violência, as políticas de desarmamento sofreram interrupções ao longo dos últimos anos e não foram complementadas com outras estratégias e reformas necessárias para reverter esse cenário.
O Mapa da Violência mostrou ainda que o perfil das vítimas é majoritariamente jovem. Do total de pessoas assassinadas por arma de fogo em 2014, mais de 25 mil tinham entre 15 e 29 anos, um aumento de quase 700% frente aos anos 1980.
O relatório também apontou fortes desigualdades raciais no país. Sem distinção por faixa etária, de 2003 a 2014, os homicídios por arma de fogo tiveram queda de 27,1% entre a população branca, enquanto aumentaram 9,9% entre a população negra no mesmo período.
Estimativas citadas pelo Mapa da Violência dão conta de que do total de assassinatos, apenas entre 5% e 8% são devidamente apurados.

Acesso a armas

O fácil acesso a armas é indicado pelos especialistas como uma das causas para as altas taxas de homicídio no país e em outros países da América Latina. Apesar de não haver dados oficiais, estimativas do Mapa da Violência dão conta de um total de 15,2 milhões de armas em poder da população brasileira, sendo 6,8 milhões registradas e 8,5 milhões não registradas. Do total não registrado, 3,8 milhões estariam nas mãos de criminosos.
Ignácio Cano, da UERJ, lembra que a maior parte dos homicídios é cometida com armas curtas, e afirma ser um mito a teoria de que tais armas cheguem ao país pelo tráfico internacional. Segundo ele, a maior parte das armas em circulação é fabricada no Brasil.
“Não é a disponibilidade de armas apenas. É a incapacidade de ter regulações básicas. Temos muitas armas ilegais. Em outras partes do mundo, há tantas armas, e não ocorre isso”, disse Muggah, do Igarapé, sobre os países latino-americanos.
Para ele, as políticas antidrogas proibicionistas e repressivas adotadas pelos Estados da região têm impulsionado a violência. “Quando há políticas que sancionam o uso de violência para combater cartéis, você tem confrontação violenta”, declarou. “O que precisamos fazer não é ir atrás das drogas, mas dos grupos criminosos. Indo atrás das drogas, o que fazemos é aumentar o lucro dos produtores”.

Cultura machista

Outro fator que contribui para o recrudescimento da violência nos países latino-americanos é a cultura machista, de acordo com Muggah. Segundo o Mapa da Violência de 2015, o Brasil tem uma taxa de 4,8 assassinatos para cada 100 mil mulheres, ocupando a quinta posição em um ranking de 83 nações.
Nos países da América Latina e do Caribe, ao menos 12 mulheres são vítimas de feminicídio todos os dias, segundo a CEPAL, que citou uma série de riscos — como violência, pobreza e trabalho precário — aos quais as mulheres da região estão mais suscetíveis do que os homens.
“A cultura machista sanciona a violência baseada em gênero. Passa a ser aceitável homens baterem em mulher. Isso está mudando, mas ainda temos essas altas taxas de violência contra as mulheres na região”, disse Muggah.
Robert Muggah, do Instituto Igarapé. Foto: Divulgação
Robert Muggah, do Instituto Igarapé. Foto: Divulgação

Campanha Instinto de Vida

Diante de uma realidade regional estarrecedora, mais de 30 organizações da sociedade civil latino-americana lançaram este ano a Campanha Instinto de Vida, cujo objetivo é impulsionar medidas para reduzir pela metade a violência letal na região em 10 anos.
A campanha — que no Brasil tem como membros Instituto Igarapé, Instituto Sou da Paz, Nossas e Observatório de Favelas, e como associados Anistia Internacional Brasil, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Visão Mundial e Instituto Fidedigna — também tem o objetivo de promover compromissos claros dos governos locais com o tema.
“É uma campanha que junta duas estratégias: mobilização, ou seja, mobilizar cidadãos para provocarem pressão; e incidência política, aproximar-se de autoridades para fornecer apoio técnico necessário para adoção de políticas públicas baseadas em evidências”, explicou Dandara Tinoco, especialista em comunicação do Instituto Igarapé e coordenadora da iniciativa, lançada no Brasil em maio.
Um relatório preliminar com propostas de políticas públicas para a redução dos homicídios nos países latino-americanos já foi publicado pela campanha.
Entre as sugestões, estão medidas de mediação de conflitos, prevenção à reincidência, programas de intervenção urbana, regulação de armas e munições e estratégias de redução do impacto do mercado de drogas.
Outras propostas incluem fortalecer a capacidade do sistema de justiça para esclarecer os homicídios e da polícia, de forma a melhorar sua relação com as comunidades. O relatório também lembra a importância das políticas sociais inovadoras que promovam o crescimento e a inclusão dos mais pobres e o desenvolvimento equitativo.
Segundo Dandara, as organizações promovem reuniões periódicas para entender quais são as semelhanças e as diferenças do cenário de violência nos países latino-americanos.
“Entendemos que os que decidem vão customizar as propostas em suas políticas de acordo com cada país. (…) É fundamental que tenhamos organizações que atuem em cada um desses países, para que possam fazer essas adaptações”, completou.
“O próximo passo é conversar com esses diferentes representantes para mostrar o quão importante é adotar essas políticas públicas”, disse ela. “Temos a perspectiva de que autoridades assinem os compromissos públicos, assim como valores da campanha”, concluiu.


Fonte: ONU



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