AO
ALCANCE DAS MÃOS
A escrita é algo que me
acompanha ao longo de minha existência: escrevia nos livros
infantis, rabiscava as capas dos meus cadernos da escola, hoje
rabiscos anotações nas capas dos livros que leio, fiz diários na
adolescência, anotei sessões de terapia que realizei, escrevi o
trabalho de conclusão do curso de psicologia, fiz uma dissertação
sobre professores no Mestrado, elaborei uma tese de Doutorado sobre o
cinema, a educação e a morte que foi transformada no livro: No
cinema e na vida: a difícil arte de aprender a morrer,
escrevi crônicas durante cinco anos para o Jornal Diário da Manhã,
de Erechim – RS, e anoto diálogos dos filmes que assisto desde
longa data.
A escrita se fez presente me
acompanhando e registrando meu crescimento e minhas escolhas
acadêmicas. Atualmente trabalho numa clínica de saúde mental na
qual encontramos toda a sorte de pessoas e de problemas derivados do
sofrimento e adoecimento mental.
Trabalho com diversos grupos e um
deles chama-se Bem
Viver, que tem como
proposta apontar saídas através do uso das artes como: música,
poesia, escrita, cinema, desenhos para o enfrentamento do sofrimento
emocional.
Uma colega propôs que
trabalhássemos a escrita e assim o fizemos. Falamos rapidamente que
a escrita pode ser terapêutica na medida em que ela nos permite
acessar nossos sentimentos mais sombrios, que pode nos levar a outros
lugares, aos outros mundos possíveis. Como Clarice Lispector nos diz
“Às vezes escrever uma só linha basta para salvar o próprio
coração”.
Após pequena explanação foram
entregues ao grupo folhas de papel com três estímulos para que
escolhessem um deles e soltassem o verbo, são eles:
-
Caminho sozinho pelas ruas da
cidade, olho em volta e observo que...
-
Hoje eu queria apenas...
-
Se o tempo voltasse atrás eu
gostaria...
Rapidamente cada um tomou nas
mãos o papel, debruçou-se sobre si mesmo e escreveu com a alma
amassada. Quando entregamos eram apenas folhas brancas de papel, mas
ao recebermos de volta, essas folhas já eram outra coisa, estavam
carregadas de sentidos e sentimentos bons e ruins, de amarguras e
doçuras, de palavras vivas, de “eus”, estavam repletas da dor de
ser quem se é.
O exercício confirmou que a
escrita é uma ferramenta ao alcance da mão e pode nos ajudar no
autoconhecimento na medida em que entramos em contato com o que
pensamos e com os sentimentos, podemos dar voz e vez ao que guardamos
e remoemos dentro de nós mesmos, por vezes nos causando sofrimento.
Guardamos dentro de nós a perda
de um amor, a morte do bebê de seis meses, a infância maltratada, o
pai alcoólatra, a traição da mulher, a traição do marido, o
câncer da amiga querida, a mãe que nos abandonou, a violência
sexual do padrasto, a homossexualidade, o aborto... tanto guardamos e
engolimos que um dia, quando menos se espera, isso tudo vêm à tona
e nossa dor vira doença mental e precisa ser cuidada e tratada.
Escrever é terapêutico, pois
permite que nos expressemos através das palavras, que encontremos
novas significações e entendimentos para nossos entraves
emocionais. É uma forma de materializar nossa subjetividade para
fora de nós mesmos.
Escrever para si, escrever para
queimar, escrever para lavar a alma, escrever para os profissionais
da saúde, escrever para o outro ler, escrever...
Quando finalizou esse dia de
trabalho e voltando para casa, no percurso me acompanhou um lindo e
colorido pôr-do-sol que anunciava o final de mais um dia do viver,
senti uma imensa vontade de voltar a fazer registros do vivido.
Decidi, então, que voltaria a escrever crônicas, um gênero que
sempre me encantou e que sou apaixonada.
Escrevo para entender a vida. Li
essa frase dia desses, de fato resume o que penso e para mim é uma
extensão de quem sou e está ao alcance das mãos.
Psicóloga
da Clínica Ser, Mestre em Educação pela Universidade de Passo
Fundo (UPF), Doutora em Educação pela Universidade de Brasília
(UnB), autora do livro No cinema e na vida: a difícil arte de
aprender a morrer. E-mail: emilia.bottini@gmail.com