PMs acusados de
extermínio no Entorno do DF vão ficar mais tempo presos
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PF aponta 11 PMs como integrantes de um esquadrão da morte responsável
por mais de 100 mortes em Goiás. Foto: Cadu Gomes/CB/D.A Press |
Três policiais militares goianos acusados de integrar grupo de
extermínio tiveram a prisão temporária de cinco dias ampliada para 30
dias. A decisão é da Justiça Federal e faz parte do processo da Operação
Sexto Mandamento.
Investigação da Superintendência da
Polícia Federal em Brasília aponta que ao menos 11 PMs de Goiás
integravam um esquadrão da morte com atuação no Entorno do Distrito
Federal e no norte do estado.Eles eram financiados por políticos,
fazendeiros e empresários da região. Eles também estão sob investigação
da PF.
O grupo de extermínio formado por
policiais militares goianos é responsável pelas mortes de mais de 100
pessoas, a maioria sem ficha criminal, incluindo adolescentes e
crianças, segundo a PF. Em troca, os matadores ganhavam promoções na
corporação, dinheiro vivo, veículos, viagens e apoio em candidaturas a
cargos públicos.
Policiais federais cumpriram,
na manhã de quinta-feira (11;11), mandados contra 11 PMs acusados de
integrar o esquadrão da morte. Os agentes conseguiram encontrar dois dos
três militares alvos de prisão temporária (por cinco dias). A Justiça
Federal também expediu 17 mandados de condução coercitiva – quando a
pessoa é obrigada a depor –, sendo oito contra militares. Entre eles, o
tenente-coronel Ricardo Rocha, nomeado comandante do Comando de
Policiamento da Capital da PM goiana no início do ano.
A
ação fez parte da segunda fase da Operação Sexto Mandamento. O grupo,
segundo a PF, tinha como principal atividade a prática habitual de
assassinatos com a simulação de que os crimes haviam sido praticados em
confrontos com as vítimas. Além das execuções sob encomenda de
políticos, fazendeiros e empresários, PMs mataram algumas das suas
vítimas durante o horário de serviço e com uso de carros da corporação,
de maneira clandestina e sem qualquer motivação, ainda de acordo com a
PF.
Na casa dos investigados, os federais
apreenderam três armas de fogo – duas irregulares – 700 gramas de
maconha e mais de R$ 30 milhões em espécie e itens como joias e
veículos. Um advogado está foragido. Entre os investigados, ainda há um
ex-secretário de Segurança Pública e um ex-secretário da Fazenda de
Goiás. A PF, no entanto, não revelou os nomes deles.
Comandante indiciadoApesar
de não ter sido preso, a PF indiciou Ricardo Rocha por homicídio e
ocultação de cadáver, logo após ele prestar depoimento, na manhã de
ontem. O oficial é apontado como o autor da morte de dois jovens em
Alvorada do Norte (GO), a 258km de Brasília. Os corpos deles nunca foram
encontrados. Um terceiro rapaz conseguiu se esconder. Ele e outras
testemunhas afirmaram ter visto as vítimas serem colocadas em carros do
Batalhão da PM de Formosa, à época comandado por Rocha, então um major.
Responsável
pela investigação, o delegado Milton Rodrigues Neves afirmou, na
coletiva da manhã desta sexta-feira, que o trio era suspeito de furtar
gado da fazenda de um grande empresário da região. Tal produtor rural e
vizinhos decidiram acionar Ricardo Rocha. “Os corpos dos dois que
sumiram não foram encontrados, mas temos provas que apontam que eles
foram assassinados: depoimentos, dados, comprovantes do aluguel dos
carros, por exemplo”, ressaltou Neves.
Para os
investigadores, não há dúvida da participação direta de Ricardo Rocha na
execução dos rapazes. Em troca, garantem delegados da PF, a fracassada
campanha dele para se eleger deputado estadual na Assembleia Legislativa
de Goiás, em 2010, foi financiada por um “cliente”. A PF indiciou Rocha
por homicídio e ocultação de cadáver. Mas nenhum delegado deu mais
detalhe, sob alegação de que o inquérito segue em sigilo de Justiça.
“Esse
tipo de investigados são tanto temidos quanto respeitados. Quando se
fala de grupo de extermínio, a ideia que se tem à mente é de profilaxia
(limpeza) social. Mas o que se tem são pessoas que matam qualquer um.
Bandido tem que ser preso, não tem que ser morto”, destacou o delegado
Kel Lúcio Nascimento, também à frente das investigações.
Nascimento
ainda falou do perigo da cultura do “bandido bom é bandido morto”, que
justificaria a ação de grupos como o investigado pela PF: “No começo,
matam pessoas suspeitas de praticar crimes, mas depois começam a matar
diversas pessoas que não têm qualquer envolvimento. Matam pelos mais
diversos motivos. esta operação, há policiais ligados a tráfico de
drogas, oferecendo drogas, arma e munição a pessoas. Muitas vezes eram
contratados para matar outros por desavença.”
Apoio do governadorRicardo
Rocha já havia sido preso por quatro meses na primeira fase da Operação
Sexto Mandamento, em 2011. Em 2014, foi a júri popular pela morte de
Marcelo Coka da Silva, ocorrida 10 anos antes. Acabou absolvido por
falta de provas e testemunhas. Em fevereiro de 2016, o governador
Marconi Perillo (PSDB) o nomeou comandante do Policiamento de Goiânia.
Rocha era a grande aposta de um plano de segurança do governo de Goiás
para reduzir a criminalidade no estado. Em meio à repercussão negativa,
Perillo saiu em defesa de Rocha dizendo que ele era um profissional
exemplar.
Sobre a segunda fase da Sexto
Mandamento, Perillo não se pronunciou nem emitiu nota oficial. No lugar
dele, falou o vice-governador e secretário de Segurança Pública e
Administração Penitenciária de Goiás, José Eliton (PSDB). E ele saiu
atirando contra a PF. Em uma entrevista coletiva na manhã de ontem, em
Goiânia, defendeu veementemente os acusados. Negou qualquer
irregularidade na atuação dos PMs investigados. E ainda garantiu confiar
no trabalho de Ricardo Rocha.
“Afirmo,
categoricamente: no estado de Goiás não há grupos de extermínio. A PM de
Goiás atua com toda a lisura. Essa operação foi um espetáculo
midiático. Reafirmo a minha solidariedade ao tenente-coronel Ricardo
Rocha, que permanece como comandante do Policiamento da Capital”,
declarou José Eliton, em tom ríspido.
Rocha
ganhou força quando Ernesto Roller era secretário de Segurança de Goiás.
À época da primeira fase da Sexto Mandamento, Roller era
procurador-geral de Goiânia. Ele foi candidato a vice-governador de
Goiás na eleição de 2010 pela chapa de Wanderlan (PP), derrotada.
Segundo apuração do MPGO, responsável por uma série de investigações
contra o bando de matadores, Roller protegeu PMs investigados,
promovendo-os após serem denunciados à Justiça por envolvimento na
matança. Hoje deputado estadual pelo PMDB, Roller é o prefeito eleito de
Fomosa.
Crimes federalizadosImpunes
na esfera estadual, crimes atribuídos a Policiais militares goianos
(entre eles o tenente-coronel Ricardo Rocha) que atuam ou trabalharam no
Entorno do DF foram federalizados em dezembro de 2012. A decisão partiu
do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por unanimidade, ministros da
Corte acataram parcialmente o pedido da Procuradoria-Geral da República
(PGR) e transferiram quatro processos da Justiça estadual para a Justiça
Federal.
Parte dos crimes federalizados dizem
respeito às mortes em série ocorridas em Goiás e denunciadas pelo
Correio Braziliense desde 2009, por terem características de ação de um
grupo de extermínio. Todas as vítimas eram moradoras de rua e teriam
sido executadas por policiais militares goianos em uma espécie de
limpeza, em troca de propinas de comerciantes.
O
grupo de policiais militares goianos alvo da segunda fase da Sexto
Mandamento é apontado como autor de mais de 100 mortes em Goiás. A
maioria das vítimas não tinha condenação judicial. Muitas morreram no
Entorno do Distrito Federal, onde o oficial apontado como líder do bando
comandou o 16º Batalhão da PMGO, em Formosa, a 70km de Brasília.
Apenas
em 2008, os policiais militares admitiram ter tirado a vida de 10 das
48 pessoas assassinadas em Formosa. Outros cinco casos ocorreram no
segundo semestre de 2007. Na maioria dos registros, os militares
alegaram confrontos com bandidos armados. Mas, grande parte das vítimas
não respondia por delitos graves e morreu com ao menos um tiro na
cabeça. Em quase nenhuma suposta troca de tiros houve moradores como
testemunhas.
O aumento no número de mortes no
município com a chegada do então major Ricardo Rocha ao batalhão de
Formosa, em 2007, chamou a atenção do Ministério Público (MPGO) e da
Polícia Civil de Goiás, que abriram investigações sigilosas na capital
do estado. Antes de Formosa, o major esteve em Rio Verde, no sudoeste
goiano.
Ricardo Rocha foi denunciado pelo MPGO
por participação em uma chacina com cinco mortes e por crime de
pistolagem. Tudo quando ele era o subcomandante da PM em Rio Verde, onde
foi acusado de executar cinco condenados que haviam fugido da cadeia e
de matar com cinco tiros um homem desarmado
Após
as mortes em série, Rocha foi transferido para Goiânia, onde comandou a
Rotam entre 2003 e 2005. Época em que a PM mais matou na capital do
estado. De 6 de março de 2003 a 15 de maio de 2005, foram registrados
117 homicídios em Goiânia cuja autoria é atribuída a PMs, a maioria da
Rotam. Das 117 vítimas, 48,7% (57 pessoas) não tinham ficha criminal.
Outras 60 (51,3%) eram foragidas da Justiça ou acusadas de algum crime.
Com informações do Diário de PE