segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Federação partidária, Ficha Limpa e fundão entram na mira do STF em ano eleitoral

 POLÍTICA 

Corte pretende julgar em plenário, logo no início da retomada dos trabalhos, ações que podem impactar campanhas



Foto: Reprodução 

O plenário do Supremo Tribunal Federal vai retomar em 3 de fevereiro o julgamento que de uma ação que discute o prazo pelo qual um candidato é considerado inelegível pela Lei da Ficha Limpa, ou seja, vai decidir se a inelegibilidade pode exceder ou não o prazo de oito anos no caso concreto.

Em dezembro de 2020, o ministro Kassio Nunes Marques atendeu a um pedido do PDT e suspendeu um trecho da Lei da Ficha Limpa para que a justiça eleitoral realize a detração (desconto) da inelegibilidade que começa a ser cumprida desde a condenação de segunda instância e do período de cumprimento da pena.

O especialista em Direito Eleitoral Volgane Carvalho (foto) afirma que a decisão a ser tomada pelo Supremo “é muito importante, pois, caso seja acolhida a tese defendida pelo PDT, haverá uma alteração gigantesca no modo como é realizada a contagem do prazo de inelegibilidade de alguém sofreu uma condenação criminal”.

Leia a íntegra da entrevista:

Primeiramente, o básico: o que é a Ficha Limpa?
A Constituição de 1988 desenhou um perfil dos candidatos a cargos eletivos no Brasil. Eles deveriam possuir uma série de características: ter uma idade mínima, ser brasileiro, estar filiado a um partido, por exemplo. Estas características chamamos de condições de elegibilidade. De outro lado, forma definidas outras características que os candidatos não deveriam possuir: ser analfabeto, possuir parentes na chefia do Poder Executivo, haver sido condenado criminalmente, dentre outras. Estes eventos denominamos causas de inelegibilidade. A Constituição determinou, ainda, que uma Lei Complementar poderia especificar outros eventos que impediriam alguém de se candidatar. Essa lei foi editada em 1990, e passou a ser conhecida como a Lei das Inelegibilidades. A Lei da Ficha Limpa é uma norma que foi editada em 2010 e se destinava a modificar partes da Lei das Inelegibilidades, criando outros eventos que são impeditivos de uma candidatura ou alterando a análise daqueles que já haviam sido previstos.

O senhor pode explicar melhor esse julgamento? O que está em jogo?
A Ação Direta de Inconstitucionalidade 6630 pretende discutir se um dos dispositivos da Lei das Inelegibilidades que foi alterado pela Lei da Ficha Limpa está de acordo com a Constituição. Trata-se do artigo 1º, I, e, que afirma estarem inelegíveis “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 anos após o cumprimento da pena, pelos crimes”. O Partido Democrático Trabalhista, autor da ação, acredita que a redação como se encontra hoje, é desproporcional e pode gerar uma inelegibilidade, um impedimento para participar de eleições, muito maior do que aquele desejado pelo legislador. A decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal é muito importante, pois, caso seja acolhida a tese defendida pelo PDT, haverá uma alteração gigantesca no modo como é realizada a contagem do prazo de inelegibilidade de alguém sofreu uma condenação criminal.

O que é a detração eleitoral?
No modelo atual toda pessoa que cometer um dos crimes previstos na Lei da Ficha Limpa e for condenada definitivamente (com o trânsito em julgado, quando não é possível a apresentação de recursos) ou por um órgão colegiado (quando a decisão é tomada por um conjunto de julgadores) ficará automaticamente inelegível, não podendo candidatar-se a nenhum cargo eletivo. Dessa realidade surgem dois cenários. Caso a condenação tenha se tornado definitiva e o indivíduo inicie o cumprimento da sua pena, a inelegibilidade durará o tempo equivalente à pena acrescido de 8 anos. Por outro lado, caso haja condenação por órgão colegiado a inelegibilidade durará, pelo tempo da condenação colegiada até o trânsito em julgado mais o tempo de pena acrescido de 8 anos. Imaginemos que duas pessoas cometeram um roubo e foram condenadas por um órgão colegiado a 5 anos de prisão. O primeiro condenado não recorreu da condenação e começou a cumprir de imediato sua pena, assim, ficou inelegível por 13 anos (5 anos da pena acrescidos de mais 8 anos). O segundo condenado recorreu da condenação e seu processo transitou em julgado 7 anos depois. Nessa hipótese ele ficaria inelegível por 20 anos (7 anos para o julgamento dos recursos e os 5 anos da pena acrescidos de mais 8 anos). Ambos cometeram o mesmo delito e receberam penas iguais, mas ficaram afastados da vida política por períodos diversos. A detração eleitoral busca equacionar esta desproporção. Trata-se da possibilidade de descontar do tempo de inelegibilidade o período entre a condenação colegiada e o trânsito em julgado. Esse valor seria diminuído do total de 8 anos que a Lei da Ficha Limpa acresceu ao tempo de condenação.

Quais diretrizes o julgamento pode tomar? Como será na prática dependendo do entendimento fixado?
O Tribunal pode decidir que a norma está de acordo com a Constituição e não precisa ser alterada. Por outro lado, a corte pode reconhecer que há um descompasso entre o texto questionado e Constituição, neste caso, apontará o vício e a forma de tornar aquele dispositivo compatível com os ditames da Constituição. Para tanto, existem diferentes caminhos, que podem variar desde a fixação de uma única forma de interpretação que seja constitucional, até a retirada de parcela do texto.

Uma interpretação posterior que maximize o exercício dos direitos políticos pode ser aplicada com eficácia retroativa?
A decisão do STF, ainda que mais benéfica, não pode retroagir indefinidamente sob pena de ferir a segurança jurídica. Contudo, o ministro Nunes Marques, em seu voto, estabeleceu que a decisão dever ser aplicável às candidaturas apresentadas para a Eleição de 2020 e que se encontram pendentes de julgamento. O ministro Barroso manifestou-se em sentido inverso, compreendendo que qualquer decisão deveria ser válida apenas para candidaturas futuras.

Qual foi o entendimento do ministro Nunes Marques? E do Luís Roberto Barroso?
É importante anotar inicialmente, que os votos anteriores foram proferidos no plenário virtual e que quando o processo é levado para julgamento presencial, reinicia-se o julgamento e há oportunidade de os ministros alterarem seus votos. O ministro Nunes Marques em sua decisão liminar, acolheu os argumentos do PDT e entendeu que o período de inelegibilidade ocorrido entre a condenação colegiada e o trânsito em julgado deve ser subtraído do prazo de 8 anos determinado pela Lei da Ficha Limpa. Além disso, decidiu que o prazo de inelegibilidade decorrente de condenação criminal não poderá ser superior a 8 anos. O ministro Luis Roberto Barroso acolheu em parte o pleito do autor reconhecendo a detração do período de inelegibilidade entre a condenação colegiada e o trânsito em julgado, mas ainda reconheceu que o condenado estará inelegível durante o período de cumprimento da pena, ou seja, não estabeleceu um teto para a inelegibilidade decorrente de condenação criminal.

A decisão valerá para eleições deste ano?
Se o julgamento findar antes do período de registro de candidatura, que se inicia em agosto próximo a decisão certamente valerá para as eleições deste ano, contudo, se prosseguir até data posterior será necessário que o Tribunal estabeleça o período para o qual serão aplicados os seus efeitos.

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