PROJETO LITERÁRIO
19/11/2018 16:40
Como você consegue expressar sentimentos fortes? Alguns falam, outros silenciam ou cantam, mas há os que preferem escrever sobre o que sentem. Mas escrever requer mais reflexão, concentração e muita disciplina. E foi assim, com bastante disciplina, que seis adolescentes, do Espaço de Acolhimento Dulce Accioli, mantido pela Prefeitura de Belém, por meio da Fundação Papa João XXIII (Funpapa), começaram a escrever sobre elas mesmas, no final do ano passado.
As atividades das garotas fazem parte do projeto literário Sementes, idealizado e executado, juntamente com a equipe técnica do abrigo, pela educadora Lécia Regina de Sousa. O resultado foi além das expectativas e os cadernos escritos pelas meninas se tornaram pequenos livros, que serão lançados, em uma sessão coletiva de autógrafos, na próxima sexta-feira, 23, no próprio abrigo.
A ideia do projeto começou em meio às rodas de conversa com as adolescentes acolhidas no abrigo, em um plantão em dupla da educadora Lécia Sousa. Desde então, começou a acompanhar, orientar e tirar dúvidas, e as adolescentes ficaram à vontade para escolher o assunto sobre o qual escreveriam.
“Eu tenho meu próprio caderno para organizar as atividades sócio pedagógicas de todas. Comecei deixando tarefas para que elas fizessem, então, elas me pediam para ficar com os cadernos. Quando eu ia ver as tarefas, percebi que elas estavam escrevendo além do que fora pedido. Foi uma surpresa e passei a estimular que elas escrevessem mais, sobre o que quisessem”, conta Lécia.
Onze adolescentes começaram no projeto. Algumas o abandonaram pela metade. Uma das meninas fugiu do abrigo; outra tinha outras atividades e teve que deixar o projeto, outra atingiu a maioridades, mas seis delas chegaram até o final idealizado, que é o lançamento do livro.
“Quando começamos, o intuito era o de trabalhar a ociosidade e levantar a autoestima delas. Essas meninas chegam aqui emocionalmente desestruturadas, com históricos fortes de violência. Sugeri que elas escrevessem poesias, mas quando comecei a ler, o que eu vi foram desabafos, histórias de vidas e saudade”, prossegue a educadora.
Valorização - O projeto literário "Sementes" objetiva valorizar a liberdade de expressão, despertar o interesse pela escrita e promover a autonomia das adolescentes. E tem apoio total da coordenação do abrigo. O projeto foi apresentado em uma culminância da entidade, dentro das ações de Boas Práticas da Funpapa.
“Esse projeto se tornou um marco, aqui no Dulce Accioli”, afirma Carla Soares, coordenadora do abrigo há 16 anos. “Acolhemos adolescentes que estão em risco social e a colocamos sob proteção do município. Ver o desenvolvimento delas é uma grande alegria. Ler o que elas escreveram é uma vitória fantástica. Me emocionei muito com o que li, porque são história que nos tocam o coração”, complementa a coordenadora.
Escrever nos cadernos também ajudou as meninas a melhorarem nas escolas que elas frequentam. “O rendimento escolar delas evoluiu bastante na escola, na produção de textos, na coerência e na melhora da escrita. Algumas delas falam que querem se tornar escritoras”, comemora Lécia. Foi ela que leu todos os cadernos, digitou e formatou os textos e os transformou nos livrinhos, que foram impressos em uma gráfica profissional, com capas que se referem aos temas abordados.
Livros - São seis pequenos livros que têm títulos como: Dor e Superação; Zoie! Segredo e Tragédia de Uma Vida; Onde Está Alexandra?; A Menina Mãe; O Diário de Ewelen; e Amor de Adolescente.
Uma das jovens, de 16 anos, optou em contar a trajetória de vida dela, em "A Menina Mãe", quando engravidou aos 15 anos, mas tinha problemas sérios com drogas. O relato da menina é muito forte e emocionante, porque, devido ao vício, ela perdeu a guarda da filha que ficou gravado na pele em uma tatuagem.
“Quase perdi a minha filha e eu não tinha consciência de que isso poderia acontecer. Depois que ela nasceu, eu percebi que a queria muito e, agora, luto pra que eu possa ficar junto dela, novamente. Escrever sobre essas coisas ainda me emociona, mas foi bom, porque eu entendi que poderia superar as dificuldades, com a ajuda das pessoas”, conta.
A filha da jovem tem microcefalia e está em um abrigo, onde recebe visitas da mãe, quando lhe é permitido.
Ilustrações - A capa do livro tem uma ilustração feita por outra adolescente de 16 anos, que assina, assim, o texto e a capa. “Tenho um primo que desenha muito bem, e eu passei a observar e imitar. Depois vi que poderia fazer os meus próprios desenhos e continuei a desenhar. A capa do livro mostra o casal”, informa Jéssica, que revela o interesse em se tornar uma escritora no futuro.
SERVIÇO
Culminância do projeto literário "Sementes", com entrega das obras literárias às autoras adolescentes, na sexta-feira, dia 23, às 16 horas.
Por Dedé Mesquita
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