Um dia em Vitória
– Senhores passageiros vamos pousar em Vitória - disse a tripulante com voz de um suave quase excessivo.
Olhei pela janela ao meu lado e vi o verde, a harmoniosa alternância de planícies e penedos que conheço bem e tive a sensação de nunca ter saído. A cidade, por algum mistério, permanece esculpida na minha memória. Ao mesmo tempo ela estava distante de mim naquele momento. Esse perto e longe me acompanhou o dia inteiro da visita à terra onde vivi intensamente alguns anos da minha juventude.
Minutos depois outro tripulante anunciou como se fosse para persuadir os poucos viajantes a desembarcarem na cidade:
– Senhores passageiros, pousamos na bela ilha de Vitória.
Sim, ela é bela. Sempre foi. Era quinta e havia pouca gente nas ruas. Parecia um feriado de cidade sem praia, uma folga esticada. Avenidas sem sinal de engarrafamento permitiram ao carro vencer rapidamente as distâncias. Atravessei Camburi vendo apenas umas três famílias numa das pontas da praia. E cheguei mais cedo ao local onde fui gravar uma entrevista.
Passei o dia como se lá não estivesse. Sim, comi um peixe como só os capixabas sabem fazer, mas estava tudo um pouco estranho. Admirei o mar. Olhei para cima para reencontrar uma velha beleza conhecida. Depositado na crista do morro, branco e lindo, como um adorno improvável, o Convento da Penha sempre me pareceu um presente imerecido, que pode voar a qualquer momento e desistir de nós.
Havia visto o Wall Street Journal um pouco antes de embarcar. A foto maior, na primeira página, era de militares nas ruas de Vitória. A cidade era assunto internacional. A calma das ruas era aparente, a tensão se via em pequenos detalhes, como nos gestos e olhares das pessoas que foram me apanhar no aeroporto.
Não revi amigos, não visitei os parentes. Fiquei mais tempo em redação, em gravação, em conversas sobre a crise instalada no estado nos últimos dias. Fiquei estrangeira numa terra conhecida. Ao mesmo tempo, é familiar esse sentimento que mistura Vitória, tropas nas ruas, tensão no ar e a beleza envolvente como um adágio. Uma cidade de extremos, de verdades superpostas, de falsa simplicidade. Só acha que entendeu Vitória quem não a conhece. São todas reais, as várias verdades de Vitória. Ela é pequena, profunda, surpreendente, tensa, perigosa e bonita.
Conheci no aeroporto de volta uma capixaba que aguardava voo para o Maranhão. Achava que lá estaria mais segura.
– Volto quando tudo acalmar. De dia não saio de casa, de noite não consigo dormir.
O medo esteve presente na cidade nos últimos dias. Mas esse eu conheço bem de outros tempos e realidades. Os sentimentos todos se misturaram naquelas horas em que atravessei ruas silenciosas e acuadas. O dia estava nublado, várias vezes tentei achar o sol e ele se escondia atrás das nuvens como se não quisesse iluminar o que se passava em terra. Quando subia as escadas do avião de volta, olhei de novo para o céu. A lua era apenas um borrão entre nuvens viajantes. Deixei Vitória trazendo comigo apenas a mochila com que desembarcara horas antes e a saudade que nunca me deixou.
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