Remédio que combate a leishmaniose em cães será vendido no Brasil
“Seu
cão tem leishmaniose.” A frase equivalia a uma sentença de morte ao
amigo de tantos anos. Sem tratamento e com o altíssimo risco de
transmissão da doença ao homem, donos de animais não tinham outra opção a
não ser sacrificar o bicho. Há um ano, porém, proprietários e médicos
veterinários se deparam com um novo dilema. No fim de 2016, o Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento autorizou a comercialização do
Milteforan, primeiro medicamento vendido no Brasil para o tratamento da
leishmaniose em cachorros. No entanto, o custo do remédio pode
ultrapassar R$ 1 mil, acima da realidade da média das famílias
brasileiras. Até que ponto vale pagar um tratamento caro?
Mesmo
sem poder arcar com o custo do tratamento, o autônomo Ivaldo Aguiar, 60
anos, escolheria tentar, até o fim, salvar a dachshund Nala. A cadela
morreu na metade do ano passado, vítima da doença transmitida pelo
mosquito-palha. Apesar de ter vacinado os quatro filhotes deixados por
uma amiga de longa data, Ivaldo teme uma improvável infecção de Tom,
Raia, Kiara e Tói. “Não consigo imaginar minha vida sem eles. Foi muito
difícil quando a Nala partiu”, lamenta.
Acompanhamento
Os
quatro cãezinhos de um ano e meio de idade vivem com a ex-esposa e o
filho de Ivaldo no Jardim Botânico. A região administrativa, de acordo
com a Diretoria de Vigilância Ambiental (Dival), está entre as áreas de
maior risco de contrair a leishmaniose por causa da vegetação. “Se for
preciso, moro longe, mas eles não saem de perto de mim”, promete o
autônomo.
Além do alto custo do Milteforan, o
cão infectado deve ser tratado por 28 dias e manter acompanhamento
veterinário pelo resto da vida. Procurada pelo Correio, a Virbac afirmou
que o remédio será importado da Europa, continente onde a leishmaniose
dificilmente atinge seres humanos. A importação, segundo a empresa,
ajuda a encarecer o tratamento.
No entanto,
manter vivo um animal portador do protozoário causador da doença pode
gerar sérios problemas de saúde pública. O médico responsável pelo
Centro de Controle de Zoonoses, Laurício Monteiro, alerta sobre o risco
para seres humanos. “A leishmaniose mata 94% dos casos não tratados. É
muito mais do que a dengue”, avisa. A virose transmitida pelo Aedes
aegypti mata em torno de 20% dos doentes sem tratamento, segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS).
Por isso,
de acordo com Monteiro, órgãos de vigilância tendem a adotar posturas
mais conservadoras sobre o tratamento em cães. A Portaria
Interministerial 1.425/2008 proíbe o uso em animais de medicamentos para
combate à leishmaniose humana em animais. “Tratar o cachorro com
remédio para seres humanos potencializa o risco de os parasitas
desenvolverem maior resistência. Um perigo para a saúde pública”,
explica o veterinário.
Transmissão silenciosa
É
difícil de se conseguir dados atualizados da leishmaniose em cães e em
seres humanos. Além da diferença entre casos notificados e casos
confirmados, a letalidade em animais atrapalha o setor público no
momento de quantificar o estrago que o protozoário Leishmania faz para a
saúde do Distrito Federal.
O
informativo epidemiológico da Secretaria de Estado de Saúde mais
recente indica que, dos 39 casos confirmados da leishmaniose visceral em
humanos, apenas três pessoas foram infectadadas dentro do DF em 2015.
Laurício Monteiro, do Centro de Controle de Zoonoses, diz que houve duas
ocorrências em 2016 e apenas uma até agosto de 2017.
]Apesar
da queda consecutiva no contágio de humanos, a médica veterinária
Verônica Foltynek teme piora no total de casos registrados em 2017.
“Neste ano, atendi mais cães infectados do que o habitual. A situação se
complica ainda mais porque existem aqueles animais infectados sem
apresentar sintomas”, teme. Como o ano ainda não acabou, apenas em 2018 a
Secretaria de Estado de Saúde terá os dados consolidados da doença no
DF.
Algumas regiões administrativas têm mais
prevalência do mosquito-palha do que outras. Por causa do preconceito,
há quem pense que a leishmaniose atinge apenas áreas com saneamento mais
precário. No entanto, a Dival aponta risco elevado em bairros nobres
como os lagos Sul e Norte. Segundo Verônica, locais próximos a córregos e
matas do cerrado têm mais riscos. “O mosquito existe onde há matéria
orgânica. É a condição de sobrevivência dele”, explica.
CB