O personagem central de um episódio marcante na história da
diplomacia brasileira — que resultou na queda do chanceler brasileiro
Antônio Patriota, em 26 agosto de 2013 — será cremado para que as cinzas
voltem ao país natal. Ontem, Daniela, filha do político boliviano Roger
Pinto Molina, asilado no Brasil há quatro anos, declarou ao jornal Los
Tiempos, de Santa Cruz de La Sierra, que os restos mortais do pai serão
levados para a cidade de Cobija.
Molina,
de 58 anos, morreu na madrugada de ontem, quatro dias depois de sofrer
um acidente aéreo em Luziânia. De acordo com a Secretaria de Saúde do
DF, o ex-senador — que em 2015 conseguiu o status de refugiado e vivia
em Brasília — foi vítima de parada cardiorrespiratória.
Após suposta pane no motor quando começava a ganhar altura, o
pequeno avião pilotado pelo boliviano fez pouso de emergência que
terminou em batida frontal contra o solo. Cabeça e tronco foram as
partes mais afetadas pelo impacto.
Molina era
um produtor rural que se elegeu deputado aos 38 anos. Antes do primeiro
mandato de Evo Morales como presidente da Bolívia, elegeu-se senador e
apoiou o governo. Bastou tornar-se opositor para virar alvo de denúncias
de corrupção por venda de terras públicas que teria rendido US$ 18 mil.
Alegou perseguição política e pediu abrigo na embaixada brasileira. E
lá ficou por mais de um ano. Mas, na madrugada de 23 de agosto de 2013,
ele e funcionários da embaixada, entre os quais fuzileiros navais e o
embaixador interino, Eduardo Saboia, saíram da capital boliviana, numa
viagem de 22 horas de carro, até Corumbá, no Mato Grosso do Sul.
A
escapada ocorreu, supostamente, à revelia do governo da então
presidente Dilma Rousseff. “Foi uma decisão que tomei e não me
arrependi, uma circunstância extrema. Eu era a autoridade máxima do
Brasil na Bolívia, tinha latitude para isso”, justifica Saboia. “Como se
concede o asilo na embaixada e se esquece do senador, sem nenhum
esforço para tirá-lo de lá?”
Três dias depois
da aventura, movida sob alegação humanitária, chegaram ao fim os 32
meses de Antônio Patriota como ministro das Relações Exteriores do
primeiro mandato de Dilma. “É um episódio ainda não completamente
esquecido, que mostra que o comando não estava unificado”, comenta o
professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de
Brasília (UnB) Roberto Goulart Menezes. “Houve apoio no Brasil, o Saboia
não fez sozinho. Houve uma ordem, e tenho certeza de que, se fosse um
país mais forte, o Brasil não teria feito isso.”
À
época, Saboia foi condenado em processo administrativo e sofreu
suspensão por 30 dias. Promovido a embaixador em dezembro passado, ele
hoje é o chefe de gabinete do Ministério das Relações Exteriores.
Molina se dizia perseguido na Bolíva e por isso pediu asilo no Brasil
Amizade
A relação
nascida do convívio forçado com Molina na embaixada de La Paz persistiu
em Brasília. “Foi uma amizade forjada na adversidade e, aqui, nos
encontrávamos em almoços, ocasiões de convivência a cada mês, mês e
meio”, conta Saboia. Ele diz que esteve no apart-hotel onde o boliviano
vivia e também visitou a residência da família, no interior do Acre.
“Uma casinha; eu conheci.” Para se sustentar, segundo o diplomata
brasileiro, o ex-parlamentar vendia gado. “Foi dilapidando o que era
dele”, diz.
O MRE publicou nota com
manifestação do titular da pasta, Aloysio Nunes Ferreira, para
manifestar consternação pela morte de Molina. “Líder da oposição,
denunciava no senado boliviano o crescimento da influência do
narcotráfico”, declarou o chanceler. “Conciliador, propôs anistia que
permitisse a reconciliação política em seu país, com o retorno de
centenas de exilados.” Molina era sogro de Miguel Guiroga, piloto do
avião que caiu na Colômbia com a equipe da Chapecoense, em novembro
passado.