sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Coletes amarelos: a revolta francesa que emparedou o presidente Emmanuel Macron

MUNDO
O inimigo inicial foi o “imposto carbono” adotado para desestimular o uso do automóvel
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Manifestantes ‘coletes amarelos’ bloqueiam acesso a depósito de combustível em Frontignan, no sul da França - Pasctal Guyot/AFP

A França está tomada pela ira. “Insurreição dos caipiras ou a ira justa do povo?”, “Governo ameaçado pelo crescimento da ira” e “Muitos passam da ira ao ódio” foram alguns dos títulos, conforme a semana transcorria, de jornais — respectivamente, do Libération , de esquerda, do Le Monde , de centro-esquerda, e do Le Figaro , de centro-direita —, em meio a dezenas de outros parecidos.
Como é comum quando se trata de raiva, o alvo não tem fronteiras totalmente definidas e se transforma constantemente. Na última semana, os coletes amarelos obtiveram sucesso em sua reivindicação inicial, de abaixar o preço do combustível. Conforme o tempo passa, no entanto, a insatisfação cresce cada vez mais e se volta contra toda a classe política.
O inimigo inicial dos coletes amarelos era o “imposto carbono” adotado pelo presidente francês Emmanuel Macron para desestimular o uso do automóvel. O tributo recaía principalmente sobre o diesel, considerado mais poluente que a gasolina. Ele se somava a aumentos nas bombas dos postos devido à alta do preço do barril de petróleo. Em um ano, o diesel subiu 23% e a gasolina 15%. Novos aumentos estavam previstos para os próximos anos, de modo a incentivar o uso de carros mais modernos ou elétricos.
Em outubro, o abaixo-assinado “Por uma queda nos preços do combustível nas bombas” — lançado em maio no site change.org por Priscilla Ludosky, uma vendedora de cosméticos a domicílio de 33 anos de Seine-et-Marne, a uma hora de Paris — popularizou-se nas redes sociais e foi assinado por centenas de milhares de pessoas. A página, criada, segundo Ludosky, “a partir da simples constatação de que sua conta aumentou”, lista motivos para o aumento do preço, como a aspiração do governo de mudar os hábitos dos motoristas, o contexto geopolítico e a alta dos impostos. Em seguida, em maiúsculas, conclui: “TODOS MOTIVOS PELOS QUAIS NÓS CIDADÃOS NÃO SOMOS RESPONSÁVEIS!”.

Os coletes amarelos têm origem na classe média baixa, que se considera negligenciada pela classe política, entendida como favorável aos ricos. O geógrafo francês Christophe Guilluy definiu essa camada da população como “a França periférica” — em oposição à burguesia rica das cidades. Eles vivem em zonas periurbanas e têm mais dificuldade de acesso a serviços públicos como saúde, educação e transporte. Grande parte dessa camada tem dificuldades para fechar as contas no fim do mês e relata falta de dinheiro até para comprar comida.
“São setores extremamente diversos, mas o seu centro é formado por membros da classe média baixa”, disse o sociólogo Louis Chauvel, da Universidade de Luxemburgo. “É um conjunto de trabalhadores qualificados e empregados que, depois de se beneficiar entre os anos 40 e 70, agora empobrece.”
Em 17 de novembro, após algumas interrupções em estradas, o movimento estava nas ruas. Àquela altura, já estava claro que as paralisações causariam impacto. Três dias antes, Macron havia declarado que os manifestantes tinham o direito de se manifestar. “Eu os compreendo”, disse, para depois ressaltar que não voltaria atrás no aumento. O presidente seguia fiel a uma de suas promessas de campanha: resistir à pressão das ruas para impor suas reformas na economia francesa, a um estilo que definiu como “jupiteriano” e inspirado por Napoleão Bonaparte.
Conflitos se alastraram por áreas turísticas de Paris, com manifestantes usando coletes amarelos, itens obrigatório de segurança de motoristas Foto: Veronique de Viguerie / Getty Images
Conflitos se alastraram por áreas turísticas de Paris, com manifestantes usando coletes amarelos, itens obrigatório de segurança de motoristas Foto: Veronique de Viguerie / Getty Images
No primeiro sábado, os coletes amarelos reuniram centenas de milhares de pessoas ocupando estradas, com mais de 500 casos de violência, incluindo duas mortes. Em larga medida, os protestos dos coletes amarelos remetiam aos de junho de 2013 no Brasil. A organização era principalmente pela internet, à margem de sindicatos e partidos políticos. A ausência de líderes e a horizontalidade também eram traços marcantes, assim como a violência nas manifestações e a difusão das causas.
Macron, naquele momento, contava com seu pior índice de popularidade até então: 25%, de acordo com uma pesquisa publicada no Journal du Dimanche de 18 de novembro e realizada antes dos protestos. Isso explicou o apoio de 77% da população aos protestos em sua primeira semana, apesar das condenações à violência.
Ao lado de uma mistura que, àquela altura, incluía membros da Reunião Nacional de Marine Le Pen, black blocs, sindicalistas de extrema esquerda e mais de 100 mil cidadãos comuns, os coletes amarelos voltaram às ruas nos dois sábados seguintes, contra os aumentos, mas também contra Macron. Em 1° de dezembro, a capital francesa viu sua maior destruição em décadas, com lojas saqueadas, carros destruídos e monumentos depredados.
O movimento permanecia apartado do resto da classe política tradicional, apesar de aproximações de todos os lados — tanto da extrema-direita quanto da esquerda que, na voz de Jean-Luc Mélenchon, candidato a presidente em 2017 pela França Insubmissa, chegou a falar em revolução.
Na última terça-feira, o primeiro ministro francês Edouard Philippe foi à rede nacional de TV anunciar que o governo suspendera a alta dos combustíveis. Anunciou também medidas como o congelamento por seis meses dos preços da eletricidade e do gás. Na quarta-feira 5, o aumento foi definitivamente cancelado. Macron, com 23% de avaliação positiva, tem evitado aparecer e dar declarações públicas.

FONTE: ÉPOCA

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