segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Acolhimento



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Equipe do HC encontra família de idosa na semana do Natal

24/12/2017 09:54h
Uma família vai ter o Natal mais feliz neste ano, graças ao trabalho da equipe que atende os pacientes da área de Psiquiatria do Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (FHCGV), em Belém. A matriarca, que estava desaparecida há quase cinco meses, foi devolvida a seus parentes após um período de internação, quando recebeu tratamento e estímulo da equipe multiprofissional do setor psiquiátrico, para tentar recuperar a memória, além da saúde abalada.
A paciente - que ficou conhecida no setor de Psiquiatria como a “Desconhecida da Arthur Bernardes” – chegou ao hospital no dia 22 de julho deste ano, por volta da meia-noite, quando deu entrada na emergência psiquiátrica, trazida por uma equipe do Samu. Ela estava na Rodovia Arthur Bernardes, andando entre os carros que trafegavam pelo local, muito agitada e delirando. Naquele momento, não havia como obter nenhuma informação com a paciente sobre sua procedência, seus parentes ou algum contato.
Logo após a chegada da paciente foi dado início ao Protocolo de Desconhecidos, que estabelece os procedimentos para localização de familiares e conhecidos de pacientes sem condições de se comunicar. O primeiro passo é obter o máximo possível de informações com a equipe de resgate. É com base nessas informações que será feita, posteriormente, a busca ativa no local do encontro, pela equipe multiprofissional.
A assistente social Gisele Soares foi à Rodovia Arthur Bernardes com uma foto da desconhecida, mostrou aos moradores da área, mas não obteve êxito. A mesma foto foi enviada para veículos de comunicação.
Enquanto a busca era feita, a paciente enfrentava vários problemas. Ao chegar ao hospital ela apresentava várias úlceras pelo corpo. Após exames, também foi constatado que havia úlceras na região gástrica, o que levou ao uso de sonda para alimentação.
Paralelamente a esses cuidados, a equipe estimulava a memória. “Nós fazemos a estimulação do paciente, tentando fazer com que ele se lembre de fatos, histórias que levem à descoberta de sua origem. Ela, um dia, disse que se chamava Maria”, contou Rita Favacho, chefe da enfermagem da Psiquiatria.
As buscas externas levaram também a assistente social Gisele Soares ao Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop). No local poderia haver o registro da passagem da paciente. O Centro Pop, inaugurado pela Prefeitura de Belém em 2013, faz abordagens e oferece cuidados com higiene e alimentação, além de cadastro e entrevista para o encaminhamento à rede de proteção social de pessoas que estejam em situação de abandono nas ruas. Mas, como atestou a assistente social Giseles Soares, não havia registro de passagem ou de alguém que lembrasse da paciente.
“Ela voltou” - O resultado negativo das buscas feitas fora do hospital direcionaram as expectativas da equipe nas tentativas de fazer a paciente recuperar a memória. A psiquiatra encarregada do tratamento diminuiu a dosagem dos remédios, pois chegou à conclusão de que o estado da paciente era causado por demência, provavelmente mal de Alzheimer. Isso facilitou a volta das lembranças, com nomes e fatos, como a perda de um filho. O progresso mais significativo foi quando Maria, numa das sessões de estímulos, lembrou de um ônibus que passaria perto da sua casa, da linha Guamá-Montepio. Esse novo dado motivou a equipe a voltar ao local do resgate, em companhia da paciente. Mas isso não foi possível devido aos problemas gástricos de Maria, que impossibilitaram sua saída do hospital.
No dia último 19, a equipe responsável pela busca ativa, junto com a paciente, se deslocou até o final da linha do ônibus que havia surgido nas lembranças de Maria. No local, próximo ao Canal do Tucunduba, próximo a um dos portões de acesso da Universidade Federal do Pará (UFPA), houve o primeiro sinal de que a busca chegava ao fim. “Paramos uma pessoa e perguntamos se ela conhecia aquela senhora, e a resposta foi positiva”, disse Gisele Soares. Caminhando na direção indicada, mais uma pessoa reconheceu Maria e apontou a rua onde ela morava.
Chegando ao local, os moradores indicaram a residência da paciente. Na chegada, a emoção tomou conta de todos. Uma família inteira - pai, mãe e dois filhos pequenos - correu para abraçar Maria. “Ela voltou. Não disse que ela voltava para o Natal?”, repetia José Carlos de Oliveira da Silva, um dos filhos da paciente, que se chama Maria Júlia de Oliveira, nascida em janeiro de 1958.
Em meio à calorosa recepção, José Carlos contou que foi a segunda vez que a mãe desapareceu. Na primeira, ela estava próximo à residência onde mora com o filho, e foi devolvida à família. Já na segunda vez ela demorou a ser localizada, mas a família nunca perdeu a esperança de tê-la de volta para o Natal, garantiu o filho, aposentado por invalidez.
Muitas histórias - Finais felizes como o de Maria Júlia são raros. Atualmente, duas mulheres e um homem estão na mesma situação no setor de Psiquiatria do Hospital de Clínicas. Pacientes em sofrimento mental que não conseguem dar referências para localizar parentes ou amigos acabam, geralmente, ficando internados em hospitais psiquiátricos, enquanto buscas são feitas para tentar levá-los de volta para casa. O internamento é necessário diante da falta de locais para acolhimento de pessoas em situação de abandono na idade adulta.
Uma tentativa de melhorar o tratamento para essas pessoas está nas Residências Terapêuticas, que reproduzem o ambiente familiar ao mesmo tempo em que oferecem assistência psiquiátrica, psicológica e outros cuidados. Em Belém, atualmente, há somente um abrigo desse tipo, no Distrito de Icoaraci, onde moram 15 pessoas.
O lado mais dramático surge quando os parentes localizados se recusam a ficar com os pacientes. É o caso de um septuagenário, que está internado no HC porque a família não quer recebê-lo de volta. Isso levou a direção do hospital a procurar a Justiça, que deve decidir o destino do idoso.
Mesmo com essas dificuldades, a busca ativa para encontrar parentes de pacientes, feita pela equipe multiprofissional da Psiquiatria tem momentos de êxito. São histórias que lembram filmes policiais. Nessa busca, assistentes sociais já viajaram a estados com poucas informações, fotos ou o nome de uma rua. Com o alcance da internet, a busca ganhou mais agilidade.
O retorno em uma carta - Também há histórias que terminam bem por conta de ajudas inesperadas, com o caso de uma paciente recolhida na rua, em Belém, que chegou à emergência psiquiátrica sem saber o próprio nome e nem sua procedência. Com o passar dos dias, a mulher começou a se comunicar, com certa dificuldade, e até a falar em outro idioma, mas sempre se negando a revelar seu passado.
O mistério foi desfeito quando pessoas se apresentaram à equipe médica se identificando como familiares da paciente. Eles disseram que chegaram ao hospital devido a uma carta enviada por alguém que havia feito amizade com a desconhecida.
A carta narrava a história da paciente e informava o local onde ela estava. Segundo o relato, ela casou com um alemão e foi morar na Alemanha. Depois de alguns anos, já com filhos, o casamento acabou por conta de problemas psicológicos da esposa, que foi expulsa de casa pelo marido. Ele pagou a passagem de volta dela ao Brasil, mas o destino não foi a Bahia, terra natal da paciente. Ela vagou por vários estados até chegar ao Pará, onde foi atendida no Hospital de Clínicas, e depois encontrada pelos parentes.
Uma história com final feliz, que mostra a importância da solidariedade e do acolhimento oferecido a pessoas que, muitas vezes, ficam sem rumo, mas que precisam apenas de cuidados, acompanhados de um gesto que pode levá-las ao reencontro do sentido de suas vidas.
Por Felipe Gillet

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