segunda-feira, 19 de junho de 2017

SAÚDE

Por que o Brasil não tem penicilina


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O país abandonou a produção do mais antigo antibiótico do mundo, assumida pela China. Agora, com o avanço da sífilis, a dependência virou uma ameaça à saúde pública Foto: Divulgação


Uma vez a cada 30 dias, pelos últimos 11 meses, Estevão do Amaral repete o mesmo ritual quando chega ao trabalho. Abre uma agenda e, telefone em punho, percorre uma lista com 12 números, para os quais liga diligentemente. Do outro lado da linha, as respostas que recebe pouco variam: não importa para qual distribuidora de medicamentos Amaral ligue, nestes 11 meses, não encontra à venda penicilina cristalina, uma variante do antibiótico mais antigo do mundo. Ele trabalha na farmácia da Maternidade Santa Lúcia, no Recife, em Pernambuco. Em meados do ano passado, começou a notar que o medicamento escasseava no mercado – hospitais e maternidades particulares também sofrem com o problema.
A penicilina cristalina é a melhor opção para tratar sífilis congênita. A bactéria é transmitida pela mãe à criança, durante a gestação. Se não for tratada, pode provocar cegueira e deformidades. Se a criança recebe penicilina a tempo, o mal é curado sem sequelas. Nos últimos dez anos, os casos se multiplicaram no Brasil. A taxa de incidência da doença, que era de menos de duas crianças a cada 1.000 em 2005, chegou a mais de seis em 2015. Cresceu também a incidência entre adultos – um mal tratado com outra formulação do antibiótico, a penicilina benzatina, que também já esteve em falta em 2016. Tratar os adultos ajudaria a diminuir a disseminação da doença congênita entre os recém-nascidos. “A incidência da sífilis aumentou por mais de um motivo”, diz o pediatra Sidinei Ferreira, do Conselho Federal de Medicina (CFM). “Um deles foi a falta desses medicamentos.”
As dificuldades de Amaral são o reflexo tardio de uma crise de abastecimento iniciada ainda em 2016. Para evitar que os hospitais públicos passassem pelos mesmos problemas que os particulares, o Ministério da Saúde fez, em março, uma compra emergencial de 230 mil ampolas. A distribuição começou em abril. Foi uma medida atípica – em tempos normais, as secretarias de saúde de estados e municípios e os próprios hospitais públicos se encarregam de comprar o medicamento. “Com isso, a situação melhorou para algumas regiões”, diz Ferreira, do CFM. “Mas não está normalizada. Quem trabalha em hospital sabe.”
A penicilina, em suas várias formas, faz parte de um grupo de medicamentos vulneráveis a crises de abastecimento, segundo a Organização Mundial da Saúde. São antigos, e suas patentes já expiraram. Como são baratos, poucas empresas têm interesse em produzi-los. Nesse rol, entram antibióticos, anestésicos e drogas oncológicas antigas. “A cadeia produtiva da penicilina é frágil. A maior parte da matéria-prima é fabricada em algumas poucas empresas na China”, diz Rosemary Wyber, diretora adjunta da RHD Action, uma ONG australiana que acompanha os casos de desabastecimento de penicilina em todo o mundo. Nos últimos anos, houve casos na África do Sul, na Austrália, no Canadá e nos Estados Unidos.

A matéria-prima empregada na fabricação de medicamentos se chama Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), ou fármaco. O Brasil parou de produzir IFAs para diversos medicamentos, inclusive para penicilina, no início dos anos 1990. Desde então, avançou, ano a ano, nossa dependência em relação aos chineses. Em 1995, 7% dos IFAs para penicilina usados no Brasil vinham de lá. Em 2016, eram 92%. “O problema é que se trata de um setor estratégico”, diz Pedro Menegasso, do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo. “Se surgir uma dificuldade com a produção chinesa, a população brasileira pode ficar sem o medicamento.”

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 Fonte: ÉPOCA

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