Trabalho
infantil atinge 2,7
milhões de crianças e adolescentes
no Brasil
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Último levantamento do IBGE mostra que, se todas as crianças e adolescentes de 5 a 17 anos que exercem alguma atividade no país se reunissem, elas ocupariam uma cidade como Brasília. 30% dessa mão de obra estão na atividade agrícola Foto: Reprodução |
Todos
os dias, das 14h às 19h30, Arthur* e o irmão, Caio*, vendem balas
no semáforo, a poucos quilômetros de distância do centro da
capital federal. Não há nada de errado com o ofício, a não ser o
fato de os dois serem menores de idade. Um tem 12 anos e o outro, 14.
Se todas as crianças que trabalham no Brasil, como eles, fossem
colocadas em uma mesma cidade, seria possível ocupar uma metrópole
como Brasília apenas com mão de obra infantil. A Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílio (Pnad), levantamento mais recente do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que trata do
assunto, mostra que há 2,7 milhões de crianças e adolescentes
entre 5 e 17 anos nessa situação. Em geral, o número tem tendência
de queda, mas continua preocupante, principalmente quanto à faixa
etária de 5 a 9 anos. Antes de completar 10 anos de idade, 79 mil
brasileiros já estão trabalhando — aumento de 13% entre 2014 e
2015, na comparação mais recente do IBGE.
A
cada quatro crianças que trabalham na América Latina, uma é
brasileira. “Hoje, as Américas têm o menor número de crianças
em situação de trabalho infantil, mas o peso do Brasil nesse quadro
é ainda muito grande”, lamenta a coordenadora do Programa de
Combate ao Trabalho Infantil da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), Maria Cláudia Falcão. A situação desanima ainda
mais porque, além de ser o país latino-americano que mais sofre com
casos assim, o Brasil está longe de atingir a meta de erradicá-los,
estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2006.
Perspectiva ruim
O objetivo mundial era acabar com esse tipo de trabalho até 2020,
mas o país já falhou logo na primeira missão, que era abolir pelo menos
as piores formas até o fim do ano passado. A lista inclui trabalho
doméstico, agrícola e informal urbano, como de vendedor ambulante, todos
proibidos para menores de 18 anos, além de atividades criminosas, como
exploração sexual e envolvimento no tráfico de drogas. “Se a sociedade
não se conscientizar da importância do tema, tanto para preservar a vida
dessas crianças quanto para o desenvolvimento do país, qualquer meta
relativa à erradicação do trabalho infantil será frustrada”, sentencia
Márcia Vieira, coordenadora da área de defesa da Secretaria Nacional dos
Direitos da Criança do Adolescente, da Secretaria de Direitos Humanos
do governo federal. De acordo com os dados oficiais, pouco mais de 30%
das crianças que trabalham se dedicam a atividades agrícolas, 65% são
negras e 70% são meninos. Mas um recorte que pode ser considerado ainda
mais relevante é que cerca de metade delas estão envolvidas nas piores
formas de trabalho infantil, conta a ministra Kátia Magalhães Arruda, do
Tribunal Superior do Trabalho (TST), que considera o panorama atual
“ainda muito ruim”. O mais grave, na opinião dela, é que grande parte
desses jovens está em ambientes perigosos, como em carvoarias, lixões ou
na rua, “expostos a todos os tipos de abusos, tanto físicos quanto
psicológicos”, lamenta a ministra, que coordena o Programa Nacional de
Combate ao Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho.
Além de viverem uma situação ilegal e, muitas vezes, invisível,
essas crianças trabalham mais, recebem menos ou quase nada, são
desrespeitadas e encaradas como massa de manobra, alerta a procuradora.
Diante desse cenário, os especialistas percebem que, enquanto existir
desigualdade social, haverá trabalho infantil, mas as principais
adversidades nessa luta esbarram em dois fatores comuns: falta de
informação e preconceito. “Existe muito aquela história de que é melhor
trabalhar do que ficar na rua. As pessoas acreditam que crianças pobres
devem começar cedo”, explica Valesca Morais, procuradora do Ministério
Público do Trabalho (MPT).
O peso da questão cultural é evidente e o efeito, disseminado. A
justificativa de Arthur e Caio, os vendedores de balas apresentados no
início da reportagem, para trabalharem, por exemplo, é “ajudar a
família”. Eles mesmos dizem se orgulhar disso, por acreditarem que, se
não estivessem trabalhando, estariam em Águas Lindas de Goiás, onde
moram, “na bandidagem”. Essa é uma amostra clara da posição de
“criminosos em potencial” em que as crianças pobres são colocadas pela
sociedade.
Esse argumento de que “é melhor trabalhar do que roubar” é, na
visão de Valesca, o que mais dificulta a sensibilização da sociedade na
proteção de crianças e adolescentes.“O trabalho infantil, longe de
dignificar, é uma sucessão de violações que resultam em um cidadão
subqualificado e que tudo aceita em nome do trabalho. A sociedade impõe o
trabalho a qualquer preço aos menos favorecidos, mas não acha que um
jovem de classe média deve trabalhar desde criança, porque não o enxerga
como um potencial criminoso”, critica a procuradora do MPT. (Colaborou
Aline Brito, estagiária sob supervisão de Rozane Oliveira)
* Nomes fictícios
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