TEMPO
VERMELHO
Maria
Emília Bottinii
i Psicóloga
da Clínica Ser
Mestre
em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF)
Doutora
em Educação pela Universidade de Brasília (UnB)
Autora
do livro No cinema e na vida: a difícil arte de aprender a morrer
E-mail:
emilia.bottini@gmail.com
Gosto de pensar que o tempo passa
por nós, por vezes sentimos e percebemos outras não, pois estamos
desatentos fazendo coisas, enquanto isso a vida acontece.
Estava atendendo uma paciente e
já finalizando sua sessão de terapia quando ela comentou que seu
horário já havia terminado, esse foi um daqueles dias em que não
percebi o tempo passar.
Eu observei o relógio e de fato a sessão já
tinha finalizado. Acompanhei a paciente, bastante debilitada, até a
recepção onde estava sua cuidadora. Chega uma fase da vida em que
precisamos ser cuidados, pois as doenças nos atingem e perdemos
nossa autonomia. Nem sempre é um processo fácil ser cuidado por um
outro que é desconhecido, visto que há despreparo na aprendizagem
do cuidado, muitas vezes feito apenas para garantir um dinheiro para
comprar objetos.
Voltei para minha sala, tomei um
copo de água, respirei profundamente, pois diante de alguns relatos
de vida e sofrimento nos sentimos impotentes para ajudar, é assim
com todos. Sentei-me e, enquanto aguardava o outro paciente chegar,
fechei os olhos por alguns instantes e tive a visão de um pequeno
relógio, um despertador vermelho e pensei: meu tempo é vermelho,
naquilo chegou o outro paciente.
Sou fã do vermelho, a cor mais
quente. A cor vermelha significa paixão, energia e excitação. É
uma cor quente. Está associada ao poder, à guerra, ao perigo e à
violência. O vermelho é a cor do elemento fogo, do sangue e do
coração. Simboliza a chama que mantém vivo o desejo, a excitação
sexual e representa os sentimentos de amor e paixão. Eu brinco com
amigos que quando não quero aparecer ou mesmo ser vista eu uso o
vermelho.
Anunciei para algumas pessoas,
naquele dia, que meu tempo é vermelho, isso ocorreu em uma
sexta-feira. No sábado à noite, combinei que levaria minha amiga
que tem câncer para um aniversário e que a buscaria, mas ela veio
até minha casa, não precisei buscá-la. Minha amiga saiu de casa
para comprar alguns esmaltes, sua vaidade ainda está viva em seu
corpo fragilizado.
Fala-me que está cansada, que
não deseja mais fazer a quimioterapia, mas que tem medo das dores
que poderão advir, que seus médicos lhe falaram que isso não vai
melhorar sua situação e que apesar de saber, isso não a impede de
sofrer.
Comenta que ficou na cama dois
dias sem forças para fazer nada após a conversa com sua médica,
suas forças estão diminuindo.
Comenta que sua alimentação está
cada vez mais difícil e delicada. Que sente náuseas só em pensar
que precisa fazer quimioterapia na semana que vem.
Escutei sua dor e suas limitações
diante do fim eminente, nossa conversa foi profunda e demorada.
Contei-lhe do meu tempo vermelho.
Sinalizei para ela que era nisso que deveria concentrar-se dali para
frente: no seu tempo vermelho, que é preciso investir a energia em
algo que dê sentido e importância nestes últimos momentos do
existir.
É preciso fazer escolhas, é
preciso estar com quem ela ama e lhe faça bem. É preciso decidir
sobre bens matérias e imateriais.
É necessário resolver pendências
emocionais, financeiras. É preciso se recolher e se poupar de
situações que a aborrecem e a deixem triste. É preciso se afastar
de pessoas tóxicas e amargas, que por vezes ferem a alma, mesmo que
sejam os entes queridos, nem tão queridos e por vezes apenas entes.
É preciso decidir sobre os gatos. É preciso falar dos sentimentos e
da dor de partir. É preciso viver intensamente. É preciso
despedir-se dos que lhe são caros.
Fomos ao aniversário e ao chegar
ao local cumprimentamos a aniversariante e alguns amigos. Sentamo-nos
e juntas olhamos para a parede, lá estava um belo relógio vermelho
a marcar nossos tempos de vida.
Ambas rimos e entendemos que o
universo estava a nos dar um recado: Carpe
Diem - expressão em
latim que significa "aproveite o dia", não se refere a
aproveitar um dia específico, mas tem o sentido de desfrutar ao
máximo o agora, apreciar o presente.
Termo escrito pelo poeta latino
Horácio, no Livro I de Odes, ele aconselha sua amiga Leucone:
“...carpe diem, quam
minimum crédula postero",
em uma tradução possível “...colha o dia de hoje e confie o
mínimo possível no amanhã”.
Enquanto estivermos vivos podemos
fazer nossas escolhas por viver o vermelho, ou o cinza, o colorido ou
o preto e branco, cores do tempo que passam para todos nós.
Aproveite da melhor forma possível seu tempo seja da cor que ele
for.
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