Foto:Jorge Woll/Gazeta do Povo |
Duas propostas de mudança
do sistema eleitoral brasileiro podem ser combinadas em um único modelo
na reforma política que o Senado pode promover ainda este ano. O voto em
lista fechada, defendido pelo presidente da Casa, Eunício Oliveira, e o voto distrital, encampado por vários senadores, se unem na PEC 61/2007, que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) já pode votar.
A PEC institui o sistema chamado de
proporcional misto para a Câmara dos Deputados, que mistura
características da lista fechada — em que o eleitor vota apenas em um
partido, e os candidatos são eleitos a partir de listas partidárias
pré-definidas — e do modelo distrital —, em que os estados são
repartidos em distritos e cada distrito elege um representante, numa
disputa majoritária.
Nesse sistema misto, os eleitores teriam
direito a dois votos para a Câmara: um para o candidato específico do
seu distrito e outro para um partido de sua escolha. Metade dos
deputados de cada estado viria das disputas nos distritos, e a outra
metade sairia das listas partidárias. Neste último caso, o que decidiria
os vencedores seria a votação proporcional de cada partido.
Na última segunda-feira (20), ao
participar da abertura do Seminário Internacional sobre Sistemas
Eleitorais realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o
presidente do Senado, Eunício Oliveira afirmou que o Congresso Nacional “está pronto” para
o debate sobre uma reforma eleitoral profunda. Eunício tem trabalhado
junto ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para aprovar novas regras
até setembro, de modo que elas já possam entrar em vigor nas eleições
gerais do próximo ano.
Benefícios
A PEC 61/2007, do senador Antonio Carlos
Valadares (PSB-SE), aglutinou outras duas propostas de emenda à
Constituição, ambas instituindo o voto distrital das eleições
legislativas brasileiras — a PEC 90/2011, do agora ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), e a PEC 9/2015,
de Reguffe (sem partido-DF). O senador Valdir Raupp (PMDB-RO) assumiu a
relatoria conjunta das três propostas e redigiu um único texto
consolidando todas as ideias.
Para Raupp, o sistema misto teria dois
benefícios: tornaria as campanhas mais baratas, uma vez que a
instituição dos distritos significa que os candidatos precisam fazer
campanha em áreas menores; e fortaleceria os partidos, eliminando a
competição interna ao consolidar os candidatos em uma lista
pré-ordenada.
Distritos
O sistema misto exige que cada estado da
Federação, e também o Distrito Federal, seja repartido em um número de
distritos eleitorais equivalente à metade da sua representação na Câmara
dos Deputados, arredondada para cima. Por exemplo, o DF, com oito
deputados federais, teria quatro distritos. Já a Bahia, que tem 39
deputados, seria dividida em 20 distritos.
Essa divisão seria responsabilidade do
TSE, que editaria resoluções no ano anterior a cada eleição com a
configuração distrital de cada estado. Dentro de uma mesma unidade da
Federação, os distritos devem repartir a população da forma mais
igualitária possível, de modo que a diferença entre eles nunca
ultrapasse 10%.
Em cada distrito, cada partido poderia
lançar um único candidato, sendo proibida a coligação. Os eleitores
daquele distrito destinariam um voto ao candidato de sua predileção
nesta disputa. O candidato mais votado da corrida eleitoral de cada
distrito estaria automaticamente eleito para a Câmara dos Deputados.
Dessa forma, estaria preenchida a metade da representação federal de
cada estado.
Lista
O segundo voto de cada eleitor seria dado a
um partido de sua escolha. Antes da eleição, cada partido elaboraria
uma lista de seus candidatos para cada estado, em ordem
pré-estabelecida. Essa lista pode conter, inclusive, os candidatos que
concorram em disputas distritais. Também seria vedada a coligação entre
partidos nesta modalidade.
Todos os votos destinados às listas
partidárias seriam compilados para estabelecer a proporção de cadeiras a
que cada legenda teria direito. Um partido com 10% dos votos em um
determinado estado ocuparia 10% da bancada daquele estado na Câmara dos
Deputados. Essa proporção, porém, já consideraria os deputados eleitos a
partir das disputas distritais
A partir desse cálculo é que seria feito o
preenchimento da segunda metade das cadeiras de cada estado. Excetuados
os seus candidatos vitoriosos nos distritos, os partidos preencheriam o
restante das cadeiras a que têm direito com nomes da sua lista,
selecionando-os na ordem pré-definida.
Vagas extras
O sistema misto proposto reconhece a possibilidade de que um partido
conquistar, nos distritos, uma quantidade de deputados maior do que a
que teria direito conforme a sua votação proporcional. Neste caso, todos
os deputados eleitos nos distritos teriam seus mandatos assegurados,
mas o partido em questão não elege ninguém da sua lista.
No entanto, todos os outros partidos também teriam a sua
representação proporcional assegurada, além dos seus próprios
representantes eleitos nos distritos. A consequência disso é que o
estado onde este cenário acontecesse ganharia representantes a mais.
Por exemplo: caso um partido vencesse em dois distritos de um estado,
porém obtivesse quantidade de votos na sua lista suficiente para apenas
um deputado, ele garantiria os seus dois representantes e não elegeria
nenhum dos demais membros da sua lista. O estado em questão teria um
deputado a mais na sua bancada durante aquela legislatura.
Isso significa que, no sistema misto, há a possibilidade de a Câmara
dos Deputados ter mais do que o máximo de 513 membros em uma determinada
legislatura.
No entanto, haveria um problema para o caso brasileiro, uma vez que a
Constituição estabelece que nenhum estado pode ter mais de 70 deputados
na Câmara (número só alcançado hoje por São Paulo). Cenários de vagas
extras poderiam levar esse total a ser ultrapassado, o que provocaria
uma inconstitucionalidade.
Por isso o senador Valdir Raupp solicitou a retirada temporária da
PEC 61/2007 da pauta da CCJ para que sejam feitos ajustes no relatório. A
assessoria do senador estima que o novo texto esteja pronto em uma
semana. Ao ser devolvido à CCJ, ele voltará imediatamente à pauta.
Suplentes
A transição para o sistema misto também
acarretaria algumas mudanças nas regras de suplência da Câmara. Os
deputados eleitos pela lista partidária seriam substituídos, em caso de
licença ou vacância do mandato, pelos nomes subsequentes na própria
lista, na ordem especificada. Já os deputados eleitos através de vitória
nos distritos seriam substituídos por nomes da lista apenas na hipótese
de a vaga surgir no seis meses anteriores à eleição regular programada.
Caso a cadeira de um deputado eleito pela
modalidade distrital fique disponível em qualquer momento antes do
último semestre da legislatura, seria realizada uma eleição suplementar
apenas para o preenchimento dessa vaga.
Abrangência
De acordo com a PEC 61/2007, o sistema
misto seria adotado apenas no nível federal, nas eleições para a Câmara
dos Deputados. Os pleitos para os legislativos estaduais e municipais
continuariam iguais.
Outros seis países atualmente adotam esse
sistema para algumas ou todas as suas eleições legislativas: Alemanha,
Bolívia, Escócia, Lesoto, Nova Zelândia e País de Gales.
Recepção
O presidente da Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, Edison Lobão (PMDB-MA), é um dos
incentivadores da adoção do sistema misto. Durante debate no Plenário,
na terça-feira (21), ele relatou que, em 1976, passou um mês na Alemanha
Ocidental acompanhando as eleições para o parlamento, e pôde presenciar
a efetividade do modelo. para ele, seria possível adotar, no Brasil,
uma versão adaptada à realidade local, mas é preciso "determinação" e
"coragem" para isso.
O senador Jader Barbalho (PMDB-PA) também
disse que vê com bons olhos a instituição de um sistema misto. Para ele,
essa alternativa seria melhor do que a adoção da lista fechada como
modelo único, alternativa que ele considera pouco democrática.
— A lista fechada vai permitir que os
donos do partidos políticos, que aqueles que controlem os partidos,
controlem a lista. E onde está a democracia representativa neste país?
Outros senadores também criticaram a
exclusividade da lista fechada como método eleitoral. Kátia Abreu
(PMDB-TO) afirmou que ela "tira poder do eleitor", e Reguffe (sem
partido-DF) completou dizendo que ela "transfere esse poder para as
cúpulas partidárias". Como as lideranças de cada legenda teriam a
prerrogativa de organizar as listas, Roberto Requião (PMDB-PR) afirmou
que o modelo levaria ao "predomínio da burocracia" nas estruturas
partidárias. Já Ana Amélia (PP-RS) classificou a ideia como "um
desserviço à liberdade do eleitor".
— É o partido que está colocando um pacote
pronto e acabado para o eleitor receber na hora da eleição. Ele pode
ter surpresas de, naquela lista, estar alguém que ele jamais escolheria —
observou.
Já a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP)
destacou que o sistema de lista pode ser positivo caso incorpore o
pleito da maior inserção e participação de mulheres na política. Segundo
ela, isso poderia ser alcançado ao se produzir a lista de forma a
obrigatoriamente alternar nomes de candidatos homens e mulheres.
Já o modelo do voto distrital recebeu
elogios. Para Kátia Abreu, ele representa "o poder total" nas mãos dos
eleitores. Reguffe argumentou que a existência de um representante
exclusivo para cada distrito — e, portanto, para um conjunto de cidadãos
— seria positivo para a representatividade.
— O voto distrital aproxima a política do
cidadão. Vai exigir que o eleito tenha que ficar prestando contas do que
está fazendo, porque é só um para ser fiscalizado.
O presidente do Senado defendeu a ideia da
lista fechada como algo que pode "despersonalizar a política e
fortalecer os partidos", uma vez que, na sua análise, induz o eleitor a
votar a partir de uma afinidade ideológica, e não de uma atração pessoal
por um candidato específico. Para Eunício, ela também poderia acabar
com o fenômeno dos “puxadores de votos” — candidatos midiáticos lançados
pelos partidos apenas para inflar a votação da legenda.
Fonte: Agência Senado
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