domingo, 5 de janeiro de 2014

Pílula para prevenir HIV gera resistência

São Francisco – Enquanto tomava uma xícara de chá no Starbucks do centro, Michael Rubio recordava como quatro de seus amigos se tornaram HIV positivos porque fizeram sexo sem proteção, todos no intervalo de um ano. A novidade chocou Rubio, um homossexual de 28 anos, e o levou a buscar uma nova forma de prevenção contra o HIV: uma pílula diária que, segundo pesquisas, mostrou ser extremamente eficaz na proteção contra o contágio.

Pílula para prevenir HIV gera resistência
São Francisco – Enquanto tomava uma xícara de chá no Starbucks do centro, Michael Rubio recordava como quatro de seus amigos se tornaram HIV positivos porque fizeram sexo sem proteção, todos no intervalo de um ano. A novidade chocou Rubio, um homossexual de 28 anos, e o levou a buscar uma nova forma de prevenção contra o HIV: uma pílula diária que, segundo pesquisas, mostrou ser extremamente eficaz na proteção contra o contágio.
"Com meu círculo próximo de amizades foi tão afetado no ano passado, não tive dúvidas antes de querer isso para a minha vida", afirmou Rubio, coordenador da linha de frente do Positive Resource Center, uma agência de serviço social para pessoas com HIV.
A mera existência dessa opção representa uma virada na longa história da epidemia da AIDS. Muitos especialistas em saúde esperavam que o medicamento – o Truvada, uma combinação de dois medicamentos antivirais utilizados no tratamento do HIV desde 2004 – fosse adotado em massa por homens gays soronegativos.
Ao invés disso, o Truvada demorou a ganhar força como forma de prevenção do HIV nos 18 meses desde que a estratégia recebeu a aprovação da FDA, o Ministério de Medicamentos e Alimentos dos EUA. Em alguns locais, a ideia de que homens gays saudáveis tomassem o medicamento para evitar o contágio – uma abordagem conhecida como profilaxia pré-exposição, ou PrEP, (na sigla em inglês) – foi recebida com hostilidade ou indiferença.
"O medicamento recebeu muita atenção em reuniões de HIV como ferramenta de prevenção, e eu creio que ele seja uma opção importante para as pessoas certas, mas ainda assim, houve um interesse muito limitado entre os meus pacientes. Existe uma incongruência intrigante", afirmou a Dra. Lisa Capaldini, médica de primeiros socorros que trata diversos homens homossexuais.
Durante 30 anos, autoridades de saúde pública promoveram agressivamente o uso da camisinha em todo e qualquer encontro sexual como o único método eficaz, a não ser a abstinência, para evitar a transmissão do HIV. Ainda assim, 50.000 novos contágios ocorrem anualmente nos Estados Unidos; a transmissão sexual entre homens corresponde a mais da metade dos casos, e um número desproporcional entre afro-americanos e outras minorias.
Muitos especialistas receberam de braços abertos o Truvada como uma oportunidade de reduzir o número de novos contágios entre grupos de alto risco como homens jovens gays, pessoas em relacionamentos com parceiros soropositivos e prostitutas. A FDA exigiu que as prescrições sejam acompanhadas de acompanhamento psicológico, testes frequentes de HIV e da promoção do sexo seguro, embora as pesquisas mostrem que o uso diário da pílula já seja capaz de fornecer proteção plena.
Para muitos homens gays e algumas autoridades da saúde pública, a nova opção trouxe esperança e confusão.
"Tivemos muitas décadas de recomendação do uso de camisinha e agora estamos dizendo: 'Aqui vai uma pílula que pode protegê-lo se você não precisa usar camisinha'. E isso bate de frente com as normas da comunidade", afirmou o Dr. Kenneth H. Mayer, professor de Medicina da Universidade de Harvard e diretor de pesquisa médica do Fenway Health, um centro comunitário em Boston que atende diversos pacientes gays e lésbicas.

Certamente, menos pessoas experimentaram a PrEP do que os especialistas esperam. De acordo com uma análise da Gilead Sciences, fabricante do medicamento, dados de mais da metade das farmácias varejistas do país indicam que 1.774 pessoas fizeram o pedido do Truvada para a prevenção do HIV de janeiro de 2011 (o medicamento genérico podia ser prescrito antes da aprovação da FDA) até março de 2013. Os número não incluem as milhares de pessoas que já recebiam o medicamento como participantes da pesquisa.
Quase metade das prescrições foram feitas para mulheres, uma surpresa para quem esperava que homens gays fossem os primeiros a adotar o medicamento. A Dra. Deborah Cohan, ginecologista e obstetra da Universidade da Califórnia, em São Francisco, prescreveu o medicamento a diversas mulheres com parceiros soropositivos, incluindo uma que gostaria de engravidar.
'É lindo que tenhamos essa intervenção que funciona para as mulheres que precisam', afirmou Cohan.
Sendo assim, por que é que mais gays não estão tomando o medicamento?
Alguns homens afirmam ter recebido reações negativas dos médicos quando sugeriram o assunto. O uso do medicamento como prevenção pode causar um estigma entre os homossexuais: o termo 'puta Truvada' tem sido utilizado em algumas redes sociais.
E muitos simplesmente não sabem o bastante sobre a estratégia. A Gilead não lançou uma campanha pública para vender o Truvada para prevenção, mas patrocinou atividades de outras organizações. A Fenway Health, por exemplo, recebeu dinheiro da Gilead para campanhas de educação e pesquisa relacionadas à PrEP.
Efeitos colaterais possíveis, como danos aos rins e perda de densidade óssea, embora sejam raros, também são uma preocupação. Além disso, o Truvada custa caro: mais de 1.000 dólares por mês. Até o momento, seguros saúde públicos e privados, incluindo os programas estaduais do Medicaid, geralmente cobrem o medicamento para prevenção. (A Gilead também fornece o medicamento para alguns pacientes que não tem condições de pagar.)
Contudo, uma mudança geracional de atitude em relação ao HIV entre homens gays também exerce um papel importante, afirmam especialistas. Com os avanços no tratamento, muitos homens mais jovens que não passaram pelos piores anos da epidemia têm menos medo das consequências da infecção. Mais do que isso, os atuais medicamentos podem diminuir os níveis virais de pessoas soropositivas a ponto de que o risco de transmissão seja mínimo, diminuindo ainda mais a necessidade da PrEP entre parceiros soronegativos.
Damon Jacobs, psicoterapeuta nova-iorquino, começou a tomar o Truvada depois do fim de um relacionamento de longa duração. 'Descobri que eu era menos consistente com o uso da camisinha do que costumava ser, e isso me deixou bem assustado', afirmou Jacobs, de 42 anos, gestor de uma página no Facebook em favor da PrEP. Ele contou que nos últimos dois anos, nunca pulou sequer uma dose; ele também reconheceu que agora provavelmente não usará camisinha.

Esse tipo de afirmação deixa alguns especialistas em saúde nervosos, apesar da eficácia do Truvada, se utilizado diariamente. A AIDS Healthcare Foundation, uma importante fornecedora de serviços ligados ao HIV sem Los Angeles, fez lobby contra a aprovação do Truvada pelo FDA para a prevenção da AIDS, argumentando que os homens que tomassem o medicamento teriam mais chances de se envolverem em práticas sexuais de maior risco.
Certamente, o 'cansaço da camisinha' entre homens gays é real. O total de pessoas que relatou ter feito sexo anal sem proteção no ano anterior saltou de 48 por cento em 2005 para 57 por cento em 2011, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças.
Todavia, um estudo recente revelou que os homens participantes de um grande ensaio clínico que acreditavam estar tomando Truvada ao invés de placebo não aumentaram seus comportamentos de risco.
Por sua vez, Rubio, o coordenador de São Francisco, afirmou que ele continuava 'radical' quanto ao uso de camisinhas. 'Para mim, essa é outra camada de proteção' afirmou.
A adesão ao regime medicamentoso é outra questão espinhosa. O ensaio clínico que confirmou que o Truvada era eficaz na prevenção do HIV entre homens que fazem sexo com outros homens também revelou que muitos participantes não tomavam as pílulas todos os dias, o que os torna mais vulneráveis à infecção.
O Dr. Michael Weinstein, presidente da AIDS Healthcare Foundation, alertou que a adesão ao medicamento continuará a ser um problema, podendo levar a mais contágios e ao surgimento de cepas do HIV resistentes ao medicamento. 'Se você não toma o medicamento todos os dias, não usa camisinha e é muito ativo sexualmente, você vai acabar infectado', afirmou Weinstein.
Os defensores da PrEP argumentam, sem evidências substanciais até o momento, que as pessoas que estão tomando, ou começando a tomar o Truvada por prevenção têm mais chances de seguirem instruções, porque sabem como o medicamento funciona, ao contrário dos participantes dos primeiros ensaios clínicos.
Em todos os casos, o protocolo da profilaxia pré-exposição provavelmente passará por mudanças significativas à medida que novas descobertas surgirem a partir de pesquisas atuais e futuras, além de outras formulações do Truvada, tais como versões em gel ou injetáveis, regimes de doses menos frequentes, ou o uso de outros medicamentos completamente diferentes.
'As pessoas não estão fazendo fila para usar o medicamento, mas eu não sou pessimista. Vai demorar algum tempo. Ainda estamos dando nossos primeiros passos', afirmou Mayer, da Fenway Health.

FONTE: MSN

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