Entrevista com Fábio Santos de Souza
Muito além de dinheiro envolvido
Um dos delegados que participa da investigação de alvarás supostamente irregulares para empreendimentos em Águas Claras e Taguatinga, o chefe da Divisão de Combate ao Crime Organizado afirma que propina viria também em forma de tráfico de informações.
Dois dos principais envolvidos no caso seguem isolados. O ex-administrador de Taguatinga Carlos Alberto Jales continua internado em um hospital particular da cidade. O pedido de prisão temporária dele foi expedido na quinta-feira, quando começaram as ações de busca e apreensão da Operação Átrio, mas acabou frustrado porque os policiais não o encontraram. Na sexta-feira, ele foi hospitalizado com uma crise hipertensa. “A gente aguarda a alta médica para ele ser ouvido”, afirma Rodrigo Bonach, diretor substituto do Departamento de Polícia Especializada. Já Carlos Sidney de Oliveira, ex-mandatário de Águas Claras, continua em detenção domiciliar.
“Após analisarmos as respostas dos órgãos da gerência de aprovação de projetos, por onde tramitam os processos, percebemos que a liberação de um alvará levava pelo menos um ano. Nesses casos, o processo ocorria em poucos dias ou meses e, por isso, se tornou suspeito. Qual seria o objetivo para isso ocorrer sem respeitar exigências previstas em lei?”
Como surgiu a investigação?
Tudo começou em 2011 por requisição do Ministério Público e ganhou mais corpo nos últimos quatro meses. O que foi apurado são irregularidades na concessão de alvarás em Águas Claras e Taguatinga. A apuração começou pelo Centro Clínico de Taguatinga e foram surgindo novos empreendimentos suspeitos e os indícios de materialidade.
Quais foram os indícios?
Após analisarmos as respostas dos órgãos da gerência de aprovação de projetos, por onde tramitam os processos, percebemos que a liberação de um alvará levava pelo menos um ano. Nesses casos, o processo ocorria em poucos dias ou meses e, por isso, se tornou suspeito. Qual seria o objetivo para isso ocorrer sem respeitar exigências previstas em lei? Estamos apurando se há interesse particular nisso.
O que a polícia encontrou ao longo das apurações para resultar no pedido de prisão dos administradores regionais?
Não posso adiantar as técnicas de como trabalhamos nesse período, mas a deflagração da prisão tinha por objetivo que os administradores regionais de Taguatinga e de Águas Claras não prejudicassem a coleta de mais provas.
Havia relação entre os investigados?
Sim. A gente procurou estabelecer os vínculos entre eles e verificou que todos os encontros ocorriam a portas fechadas, em restaurantes, empreendimentos…
Qual a participação do ex-vice governador Paulo Octávio?
Está sendo investigado como suspeito da associação criminosa para obter alvarás de maneira ilegal. Buscamos saber se a conduta dele com as administrações ultrapassou o interesse empresarial. Todos os empresários buscam que seus projetos andem, mas queremos identificar se praticou conduta delituosa ao fazer isso. Se a investigação mostrar isso, ele será chamado para depor novamente.
A polícia apura se houve pagamento de propina?
A gente investiga a ocorrência de vantagens indevidas, o que inclui pagamento de propina. Não só vantagem patrimonial, mas a oferta de carros, convites para eventos, imóveis e uma série de outros benefícios e do tráfico de informação. Para deixar de agir conforme a lei, o que elas receberam? É isso o que estamos apurando.
A investigação demonstrou que há uma organização criminosa?
Estamos analisando a conduta das pessoas e trabalhando para fechar o crime de associação criminosa, quando pelo menos três ou mais pessoas praticam crimes reiteradamente. São vários modus operandi (modo de atuação) identificados. Ora um era cooptado, ora outro retardava o processo para obter facilidades... Mas em relação à individualização da conduta estamos confrontando o material levantado com as análises do processos para termos a participação de cada um de forma clara.
Qual o prejuízo dessas negociatas?
O interesse do empresário é de dar celeridade ao empreendimento para aferir lucro. Se ele deixa de apresentar relatório de impacto de trânsito para mitigar os danos do negócio, o Estado terá que arcar posteriormente com esses custos. Se o empresário consegue um alvará sem a exigência legal, ele está tendo um ganho indireto, porque não vai custear um viaduto que eventualmente precise ser construído lá na frente, por exemplo. Quem vai gastar é o poder público. É difícil estimar o valor disso. Mas, no fim, podemos estimar quanto cada um ganhou para agilizar os processos fazendo uma análise da evolução patrimonial dos suspeitos.
Algum dos investigados já trouxe algo revelador às investigações?
Durante a semana, recebemos 13 pessoas na delegacia, mas, no inquérito, outras pessoas já foram ouvidas. Surgiram algumas informações importantes, e parte dos investigados mentiu ou omitiu, o que favorece o nosso trabalho. Até o momento, não há nenhum indiciamento. Isso só vai acontecer após a análise do material apreendido e confronto de outros dados.
O que a polícia espera que os ex-administradores presos esclareçam?
A oitiva do Alberto Jales (ex-administrador de Taguatinga) deve ser feita no início da semana. Existem vários pontos que queremos que ele esclareça, por ser ele a pessoa que assinava ou revogava alvarás. Queremos saber como atuava. A gente tem provas para refutar alguma mentira. Em relação ao Jales, temos um número bem maior de indícios das irregularidades. A polícia já tem elementos para dizer que, além da gestão desastrosa, ele praticou crimes durante esse período. Temos indícios e materialidade. Em relação ao Carlos Sidney (ex-administrador de Águas Claras) é a mesma situação.
Empresa que cuida do centro comercial diz que o Habite-se será pedido hoje e garante inauguração |
Shopping polêmico
O esquema de concessão de alvarás desbaratado na operação Átrio, do Ministério Público do DF (MPDFT) e Territórios com a Polícia Civil do DF, revelou, além do suposto esquema de corrupção, uma série de irregularidades urbanísticas na construção de empreendimentos, entre eles, o JK Shopping, na QNM 34 de Taguatinga. O empreendimento pertence à PaulOOctavio Investimentos Imobiliários Ltda. e foi autorizado, em 2010, pelo então administrador regional Rubens Tavares e Sousa, antes mesmo das análises de impacto de vizinhança e de trânsito, além da consulta aos órgãos de fiscalização como Corpo de Bombeiros, Caesb e Companhia Energética de Brasília (CEB).
O cenro ocupa 121.068,44 m² em um espaço onde deveria abrigar uma escola pública, antes da revisão do Plano de Ordenamento Territorial. A previsão é de que o empreendimento receba um milhão de pessoas por mês, conforme publicidade em panfletos. A emissão de licenciamento sem o Estudo de Impacto de Vizinhança e do Relatório de Impacto de Trânsito é investigada pela Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb) desde março.
Segundo a Prourb, não estão previstos na área passarelas, estacionamentos, faixas de pedestres, rede de galerias de águas pluviais e planejamento para garantir a fluidez no trânsito. O prédio também não tem Habite-se. “O shopping deve receber um milhão de pessoas ao mês em uma localidade saturada em termos de mobilidade. É grave. A população daquela região será muito penalizada se esse empreendimento entrar em funcionamento”, avalia a promotora Maria Elda Fernandes Melo.
Ela pretende intimar arquitetos e engenheiros responsáveis pela aprovação do projeto para esclarecimentos e deve ainda buscar informações sobre as apuração feitas até agora pela Divisão de Repressão ao Crime Organizado (Deco) e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPDFT.
O empresário Paulo Octávio garante que a situação do shopping é legal. “Nenhum dos nossos empreendimentos está fora da lei, nenhum foi condenado, nenhum foi construído em área irregular. Tenho a minha consciência totalmente limpa”, afirmou, em entrevista coletiva na última quinta-feira. O grupo mantém a inauguração do centro comercial para o dia 16 — há, inclusive, propagandas televisivas confirmando a data —, e que hoje dará entrada com o pedido de Habite-se.
Os lojistas estão confiantes. Abílio Oliveira, 60 anos, dono de uma empresa de joias, afirmou que seus funcionários trabalham para deixar o local pronto. “Continuo crendo que será inagurado no dia previsto. Não temos nada a ver com as investigações. Somos 200 lojistas e temos algumas centenas de empregados já contratados”, argumenta. Laura Oliveira, 62, franqueada de uma loja de perfumes, concorda. “Estão todos correndo e trabalhando, e não há nenhum risco de o shopping não abrir. Ao menos, ninguém nos comunicou nada.” (MP)
“O shopping deve receber 1 milhão de pessoas ao mês em uma localidade que está saturada em termo de mobilidade. É grave. A população daquela região será muito penalizada se esse empreendimento entrar em funcionamento” Maria Elda Fernandes Melo, promotora de Justiça
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