Túmulos abandonados serão retomados por novos administradores
RIO - A falta de espaço nos 13 cemitérios públicos do Rio levará a prefeitura a adotar uma medida radical para tentar abrir vagas para novos sepultamentos. Um edital de licitação, que será lançado até o dia 31, vai criar uma espécie de “denúncia vazia”, para permitir que os futuros concessionários que vão substituir a Santa Casa de Misericórdia retomem jazigos perpétuos, esvaziando tumbas, cujos proprietários não sejam localizados. O município estuda também autorizar a cobrança de taxas de manutenção e conservação, a ser arcada pelos donos de jazigos, como acontece hoje em cemitérios particulares, como o Jardim da Saudade.
Hoje, o Rio conta com 116.118 jazigos perpétuos. A previsão é que entre quatro mil e 11.600 túmulos possam ser retomados. As hipóteses para o confisco dos túmulos ainda estão em discussão na Secretaria municipal da Casa Civil. Mas entre aquelas que já foram levantadas pela equipe que prepara o edital estão: túmulos que não tenham conservação por pelo menos 20 anos e inexistência comprovada de descendentes em até quarto grau.
Túmulos históricos serão poupados
Outra possibilidade em análise é identificar e retomar túmulos que sejam usados para especular com a morte. Ou seja, quando alguém compra um túmulo para tentar revendê-lo entre particulares, contando com a valorização por falta de vagas. A tarefa de tentar localizar os donos dos jazigos e identificar aqueles que podem ser retomados será das empresas que vencerem a licitação. No edital, os cemitérios serão divididos em dois ou três lotes. A ideia da prefeitura é que mais de uma empresa explore os serviços.
A “denúncia vazia” só não será aplicada aos túmulos que, devido ao interesse histórico — pela celebridade que está enterrada ou pelo seu valor arquitetônico —, serão tombados pelo município. As mudanças não estão livres de polêmica: a inadimplência da taxa de manutenção, por cinco anos seguidos ou dez intercalados, também deverá ser um dos motivos para reaver jazigos.
Entre aqueles que se opõem à cobrança da taxa está a presidente da Associação de Moradores de Botafogo (Amab), Regina Chiarádia:
— Hoje os serviços funerários já são muito caros. Quando precisam contratá-los, as pessoas fazem isso num momento de dor. Só faltava, agora, ainda ter que arcar com taxas. Para quem acredita em reencarnação, é despesa para esta e para a outra vida.
Herdeira de um túmulo comprado por sua família no Cemitério São Francisco Xavier (Caju), a professora aposentada Ana Maria Fernandes Maciel não vê problemas em pagar. Mas faz uma ressalva:
— As taxas só não podem ser exorbitantes. Mas, de fato, o dinheiro deve ser usado para a conservação. Hoje, a Santa Casa só se preocupa em fazer manutenção adequada às vésperas do Dia de Finados.
Atualmente, os 13 cemitérios públicos têm capacidade para realizar até 66 mil sepultamentos por ano. Mas as projeções para 2020 já indicam que deverão ser celebradas anualmente 90 mil cerimônias fúnebres. Conforme O GLOBO antecipou em setembro, outras medidas a serem adotadas incluem incentivar a realização de cremações e cosntruir cemitérios verticais nos espaços disponíveis.
Os futuros operadores também poderão prestar serviços como cremação e cerimonial, além de montar bufê para receber as famílias nos velórios. Outra possibilidade prevista é a criação de columbários (espaços especiais para a guarda de urnas com cinzas de cremados).
Os concessionários, em contrapartida, também terão de arcar com uma série de despesas. As estimativas é que os operadores terão de investir R$ 33 milhões no primeiro ano de operação, para recuperar a infraestrutura dos cemitérios existentes. Como o município não tem planos e não dispõe de áreas para a abertura de novos, o foco da licitação será recuperar os cemitérios públicos existentes.
— Os cemitérios vão passar por um choque de gestão. A má administração e o descaso da Santa Casa de Misericórdia já têm prazo para acabar — disse o secretário-chefe da Casa Civil, Pedro Paulo Carvalho Teixeira.
Negócios suspeitos de Zarur
A prefeitura já preparava a primeira licitação da história para a exploração dos cemitérios públicos do Rio quando uma reportagem do “Fantástico”, de julho passado, mostrou um esquema de venda irregular de jazigos por funcionários da Santa Casa de Misericórdia. A reportagem foi o ponto de partida de uma devassa nas contas da entidade, que levou ao afastamento de seu então provedor, Dahas Zarur, por decisão da Justiça. Isso ocorreu depois de O GLOBO revelar que Zarur era suspeito de vender, de forma irregular, parte do patrimônio da entidade. Em meio à crise, até o Hospital da Santa Casa fechou por falta de recursos.
Mesmo com a intervenção, houve problemas nos cemitérios. Na semana passada, coveiros do São Francisco Xavier (Caju) chegaram a entrar em greve devido ao atraso no pagamento dos salários. Além disso, com o fim das transações irregulares, faltaram vagas para novos sepultamentos em alguns locais.
A venda irregular de sepulturas já existia há alguns anos. Desde 2009, O GLOBO denunciou a prática em várias reportagens. Apesar de as transações particulares serem proibidas, corretores conseguiam transferir a titularidade de túmulos, mesmo sem o consentimento dos proprietários. Em 2011, a prefeitura chegou a fazer uma auditoria nos cemitérios após O GLOBO também denunciar que funcionários da Santa Casa vendiam jazigos perpétuos.
FONTE: O GLOBO
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