EC 96/2017 não fere cláusula pétrea; prática tem de ser regulamentada por lei que proteja bem-estar animal
Foto: João Américo/Secom/MPF
O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) posicionamento contrário à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.728. Proposta pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, a ação questiona a Emenda Constitucional 96/2017, que estabeleceu não haver crueldade contra animais em práticas desportivas de índole cultural, desde que regulamentadas por lei que assegure o bem-estar animal. Para Augusto Aras, a emenda não fere cláusula pétrea e, por isso, está de acordo com a Constituição, como determina a jurisprudência do próprio Supremo.
No memorial enviado aos ministros do STF, Aras afirma que a edição da EC 96/2017 foi uma resposta legislativa ao posicionamento da Corte no julgamento da ADI 4.983, que considerou inconstitucional a prática da vaquejada, prevista em lei do estado do Ceará. A decisão anulou apenas a norma cearense, e não atingiu outros estados que têm leis semelhantes. Assim, a prática continuou em locais como o Piauí, por exemplo. O Congresso também reagiu editando a Lei 13.364/2016, que reconhece rodeio e vaquejada como manifestações culturais nacionais, elevando-os à condição de bens de natureza imaterial integrantes do patrimônio cultural brasileiro.
De acordo com o PGR, esse tipo de diálogo entre as instituições é comum. A interação entre Congresso e Supremo serve para amadurecer as interpretações das leis e da própria Constituição. Segundo Aras, a reação do Legislativo normalmente se dá por meio da edição de lei ordinária. Mas, nesse caso, foi promulgada emenda à Constituição. “Em se tratando de reação com essa envergadura, a medida se reveste de uma seriedade extraordinária”, diz o PGR no memorial enviado aos ministros do STF. “As Emendas à Constituição são havidas como a resposta mais solene do Parlamento brasileiro”. Ao alterar o texto constitucional, a emenda levaria a outro entendimento em relação à lei cearense da vaquejada, caso o julgamento fosse hoje.
O PGR lembra que o próprio Supremo já reconheceu que as emendas constitucionais podem ser questionadas somente quando violam os direitos e garantias individuais, considerados cláusula pétrea pelo art. 60, § 4º, IV da Constituição.
Augusto Aras explica que há problemas jurídicos e risco social em se adotar interpretações que ampliem, de forma excessiva, o rol das cláusulas pétreas. “Isso porque gerações futuras têm o direito constitucional de autodeterminação e, em última análise, cláusulas pétreas subtraem essa liberdade”, afirma. Segundo o PGR, “o recrudescimento demasiado das cláusulas pétreas impede que cada geração vivencie a Constituição à sua maneira, na medida em que o Parlamento é impedido até mesmo de deliberar mudanças pretendidas pelo corpo social”.
Ele lembra que rodeio e vaquejada têm dimensão cultural já reconhecida por lei. E, segundo a Constituição, é dever estatal proteger, apoiar, incentivar e valorizar a difusão das práticas culturais populares. Além disso, de acordo com o PGR, a decisão do Supremo no julgamento da lei cearense motivou uma série de discussões e a adoção de diversas medidas para assegurar o bem-estar dos animais. Em 2017, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) aprovou o Regulamento Geral da Vaquejada, normativa que tem como objeto zelar pelo bem-estar animal dos bovinos e equinos participantes da prática desportiva.
Outros órgãos e instituições também aprimoraram o controle a ser exercido sobre a atividade, de modo a conciliar a prática cultural com o bem-estar dos animais. Em Pernambuco, por exemplo, o Ministério Público estadual firmou Acordo de Cooperação Técnica com a Associação Brasileira de Vaquejada. A vaquejada legal é apoiada também pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária, que defende maior fiscalização da prática para garantir o cumprimento da lei e evitar abusos e maus-tratos.
Para o procurador-geral da República, “é possível equacionar as dimensões culturais e ambientais, ambas valores constitucionalmente protegidos e conciliáveis no caso vertente”. Por isso, ele defende que o Supremo julgue a ADI improcedente e aplique o mesmo entendimento à ADI 5.772, que também trata do assunto, em julgamento conjunto.
Íntegra do memorial
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