terça-feira, 11 de agosto de 2020

Processos de grande repercussão jurídica e política estão na pauta do STJ no segundo semestre


​​​O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará ao longo do segundo semestre de 2020 importantes questões jurídicas, como a interpretação de dispositivos do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), e processos com repercussão no cenário político nacional, como a possibilidade de veto judicial a nomeações do presidente da República. Confira alguns dos destaques.

Fundação Pal​mares

No dia 5 de agosto, a Corte Especial analisa recurso contra a decisão do presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, no caso da nomeação de Sérgio Nascimento de Camargo para a presidência da Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério do Turismo. Em fevereiro, Noronha suspendeu decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) contrária à nomeação. Para o presidente do STJ, houve indevida interferência do Poder Judiciário na esfera discricionária do Executivo.

Na ocasião, ao analisar a Suspensão de Liminar e de Sentença 2.650, o ministro afirmou que não é possível acolher a fundamentação adotada pelo TRF5 para suspender a nomeação, baseada essencialmente nas manifestações de Sérgio Nascimento em redes sociais.

"O fato de o nomeado, eventualmente, ter-se excedido em manifestações em redes sociais não autoriza juízo de valor acerca de seus valores éticos e morais, ou mesmo de sua competência profissional, sobretudo quando se sabe das particularidades que permeiam as manifestações no citado meio virtual, território de fácil acesso e tido como aparentemente livre, o qual, por isso mesmo, acaba por estimular eventuais excessos dos que ali se confrontam", afirmou.

O autor da ação popular e a Defensoria Pública da União recorreram da decisão do presidente para a Corte Especial. Ambos pedem que ela seja revista, para que Sérgio Camargo não fique no comando da Fundação Cultural Palmares.

Avenida Ni​emeyer

Na mesma sessão, a Corte julgará recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra decisão do ministro João Otávio de Noronha na SLS 2.676, que em março determinou a imediata reabertura da Avenida Niemeyer, no Rio de Janeiro.

O ministro afirmou que o poder público conseguiu demonstrar a alteração na situação da avenida desde o seu fechamento para o tráfego, juntando provas de que havia segurança para a reabertura, e com isso a interdição se tornava medida desproporcional.

"Não subsistem os fundamentos da liminar então deferida, de modo que é desnecessária e desproporcional a manutenção da interdição da via em questão, causando imensurável impacto econômico e administrativo na circulação e mobilidade da cidade", afirmou o ministro na decisão de março.

A avenida estava interditada desde maio de 2019 por decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), após a morte de duas pessoas em um deslizamento de terra.

No agravo interno, o MPF alegou que a decisão do STJ teria feito um "juízo político" para infirmar fundamentos de natureza técnica que apontariam a insegurança do tráfego no local.

Para os procuradores federais, a solução da controvérsia impõe exame técnico acerca de riscos de desmoronamento, que não poderiam ser cotejados no âmbito limitado da medida de suspensão de liminar.

Ao pedir a reforma da decisão que liberou a avenida, o MPF sustentou que a medida foi concedida com base em relatórios da prefeitura, parte interessada na reabertura da via para carros e pedestres.

Ain​da na Corte

A Corte Especial julgará em 3 de agosto a Ação Penal 702, em que o ex-presidente do Tribunal de Contas do Amapá (TCE-AP) Júlio Miranda figura como réu. Nesta ação, originada da Operação Mãos Limpas, ele é acusado dos crimes de peculato, de forma continuada; ordenação de despesas não autorizadas e quadrilha, relacionados ao suposto desvio de mais de R$ 100 milhões de verbas do tribunal.

Segundo o Ministério Público, os desvios eram feitos por meio de saques de cheques na boca do caixa, de forma sistemática, da conta-corrente do TCE-AP e também por reembolsos indevidos de despesas hospitalares e médicas, pagamento de salários e passagens aéreas a pessoas estranhas ao quadro de pessoal do tribunal de contas, além do recebimento de verbas remuneratórias sem respaldo legal. A relatora desta ação penal é a ministra Nancy Andrighi.

No mesmo dia, o colegiado retoma o julgamento do Recurso Especial 1.815.055, que discute a possibilidade de penhorar salário para o pagamento de honorários advocatícios, por se tratar de verba de natureza alimentar.

O caso foi afetado à Corte Especial para definir a interpretação das expressões "verbas de natureza alimentar" e "prestações alimentícias", necessária à solução do caso. A relatora é a ministra Nancy Andrighi, e há vista coletiva no processo.

Air​​bnb

A Quarta Turma deve retomar o julgamento do REsp 1.819.075, que discute se um condomínio residencial pode proibir a oferta de imóveis para aluguel por meio de plataformas digitais como o Airbnb.

O julgamento foi iniciado em outubro de 2019 com o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, que entendeu não ser possível a limitação das atividades locatícias pelo condomínio residencial porque as locações via Airbnb e outras plataformas similares não estão inseridas no conceito de hospedagem, mas, sim, de locação residencial por curta temporada. Além disso, não poderiam ser enquadradas como atividade comercial passível de proibição pelo condomínio.

O relator lembrou que os contratos de curta temporada não são uma atividade recente. Salomão disse que essa atividade de potencialização do aluguel por meio de plataformas digitais está inserida no conceito de economia de compartilhamento – a exemplo de outros sistemas de intermediação, como Booking, HomeAway e Uber.

Apenas no caso da plataforma Airbnb, destacou o relator, há estimativa de impacto econômico de mais de R$ 7 bilhões no Brasil em 2018.

Apesar da existência de propostas legislativas em tramitação para regular esse mercado, o ministro destacou que não há como enquadrar, no momento, as relações advindas da utilização de plataformas virtuais para locação em uma das rígidas formas contratuais existentes no ordenamento jurídico.

O julgamento deverá ser retomado com a apresentação do voto-vista do ministro Raul Araújo.

Pacote Anti​crime

A Sexta Turma deverá concluir o julgamento do Habeas Corpus 581.315, no qual se discute a interpretação de novidades trazidas pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019). A defesa busca o reconhecimento de que, com as alterações da nova lei, a progressão de regime para crimes hediondos deve ser regida pela Lei de Execução Penal (Lei 7.210/94); assim, para configurar o agravamento no tempo da progressão, seria necessária a reincidência específica, nos termos expressamente previstos nos incisos VII e VIII do artigo 112 da LEP.

O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, votou pela concessão do habeas corpus. O julgamento foi suspenso por pedido de vista da ministra Laurita Vaz.

Exa​​me da OAB

A Segunda Turma analisa no REsp 1.740.561 o agravo interno do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) contra decisão do ministro Og Fernandes que não conheceu de seu recurso em demanda com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção do Rio de Janeiro. No recurso não conhecido pelo relator, o senador pretendia reformar decisão que rejeitou o pedido de indenização pelo cancelamento de seu registro profissional.

Segundo as informações processuais, Flávio Bolsonaro conseguiu uma liminar para fazer o exame da OAB quando ainda era estudante e, após a liminar ser cassada, o seu registro foi cancelado pela seção fluminense da Ordem, presidida na época por Felipe Santa Cruz – hoje presidente nacional da entidade.

A mesma turma, em outro caso relatado pelo ministro Og Fernandes – o REsp 1.428.953 –, discute a possibilidade de redirecionamento da execução de uma dívida tributária de mais de R$ 1,8 bilhão da Asia Motors para a Kia Motors.

A Fazenda Nacional alega que a Asia Motors descumpriu contrapartida firmada para usufruir de benefícios fiscais, gerando o débito referente ao Imposto de Importação. As instâncias de origem consideraram que não houve dissolução irregular da Asia Motors do Brasil e negaram o pedido de redirecionamento da cobrança.

A Fazenda recorre de decisão do relator que negou seguimento ao recurso especial. No colegiado, o julgamento terminou em empate, e foi renovado para a participação do último ministro que ainda não votou.

Leg​ião Urbana

No Agravo em Recurso Especial 1.255.275, relatado pela ministra Isabel Gallotti, a Quarta Turma resolverá uma disputa pela marca Legião Urbana. A empresa Legião Urbana Produções Artísticas registrou a marca em 1987.

Após a morte do cantor Renato Russo e a anunciada extinção da banda, os ex-integrantes Dado Villas Lobos e Marcelo Bonfá reclamam judicialmente o direito de uso da marca.

Ex​​cesso de peso

A Primeira Turma analisa no REsp 1.581.580 se segue a jurisprudência da Segunda Turma quanto à possibilidade de o Judiciário impor multa às empresas de transporte por excesso de carga nas estradas, além da multa administrativa.

O colegiado discute se, além da punição prevista no Código Brasileiro de Trânsito, é possível a aplicação de multa cominatória para compelir as empresas a não colocar seus caminhões na estrada com excesso de peso.

A posição da Segunda Turma é favorável à aplicação da multa cominatória. No caso analisado pela Primeira Turma, o relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, votou pela rejeição do recurso – mantendo a multa que foi aplicada pelo tribunal de origem. O ministro Gurgel de Faria apresentou voto divergente, entendendo que, nessa hipótese, a multa não pode ser aplicada.

O julgamento foi suspenso com um pedido de vista do ministro Benedito Gonçalves.

Contabi​​lidade

A Primeira Turma também deve concluir o julgamento do REsp 1.659.767, no qual se discute se técnicos de contabilidade precisam se submeter a exame de suficiência após a edição da Lei 12.249/2010.

Segundo o relator, ministro Sérgio Kukina, o exame de suficiência criado pela Lei 12.249/2010 deverá ser exigido daqueles que ainda não haviam completado curso técnico ou superior em contabilidade sob a vigência da legislação anterior.

Ele explicou que a regra de transição prevista na lei não exime os técnicos em contabilidade da realização do exame de suficiência, pois tal certame passou a ser exigido tanto dos bacharéis como dos técnicos em contabilidade que não tenham concluído o respectivo curso quando da edição da lei.

O julgamento foi suspenso com pedido de vista da ministra Regina Helena Costa.

Meio amb​​​iente

A Primeira Seção analisa o Conflito de Competência 170.307, no qual se discute o foro competente para o julgamento de ação popular contra o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

A ação busca a responsabilização de ambos – com a consequente condenação a indenizar –pelos danos ambientais decorrentes da falta de providências adequadas para enfrentar o derramamento de óleo nas praias do Nordeste e também de alguns atos administrativos praticados na gestão do setor.

O conflito, entre uma vara federal em Sergipe e outra no Distrito Federal, é relatado pelo ministro Francisco Falcão. A demanda discute se há conexão entre a ação popular, movida por parlamentares do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e a ação civil pública movida pelo MPF sobre o mesmo caso.

Repetit​​ivos

Três temas estão em julgamento no tribunal sob o rito dos recursos repetitivos. No Tema 977, a Segunda Seção definirá, com a vigência do artigo 22 da Lei 6.435/1977, acerca dos índices de reajuste aplicáveis aos benefícios de previdência complementar operados por entidades abertas. O caso é relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão e está com pedido de vista do ministro Raul Araújo.

No Tema 979, a Primeira Seção discute a devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da administração da Previdência Social. O caso é relatado pelo ministro Benedito Gonçalves, que está com o processo para ajustes no voto antes de o colegiado definir a tese.

Ainda na Primeira Seção, no Tema 1.004, o colegiado faz uma análise acerca da sub-rogação do adquirente de imóvel em todos os direitos do proprietário original, inclusive quanto à eventual indenização devida pelo Estado, ainda que a alienação do bem tenha ocorrido após o apossamento administrativo. Esse caso, relatado pelo ministro Gurgel de Faria, está com pedido de vista do ministro Herman Benjamin.

Além dos casos em andamento, o STJ tem atualmente 57 temas repetitivos afetados para julgamento e outros oito afetados para revisão de tese.

STJ

Videoconferência foi melhor experiência recente do STJ, diz ministro Noronha em congresso digital da OAB

 


​​​Em um momento de múltiplos desafios provocados pela pandemia da Covid-19, a realização de sessões de julgamento por videoconferência representa a melhor experiência que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) viveu nos últimos tempos, confirmando a importância da modernização tecnológica dos tribunais e abrindo a oportunidade para a construção de novos modelos de prestação da justiça.

A afirmação foi feita pelo presidente da corte, ministro João Otávio de Noronha, ao proferir palestra na conferência magna que encerrou o I Congresso Digital Covid-19: Repercussões Jurídicas e Sociais da Pandemia, promovido pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Sob o tema Garantias para o Exercício da Advocacia no Mundo Digital: Audiências e Julgamentos Virtuais – Vantagens e Desvantagens, o ministro Noronha destacou que a tecnologia da informação tem propiciado o pleno funcionamento não só do Judiciário, mas da advocacia e das demais instituições brasileiras, como o Congresso Nacional.

Entretanto, o ministro chamou a atenção para a necessidade de ampliação dos investimentos tecnológicos no sistema de Justiça e a importância de fomento à inclusão digital, para alcançar inclusive os advogados que atuam "nos mais distantes rincões".

"É preciso que os investimentos continuem, mesmo porque os aprendizados desse momento vão permanecer", afirmou Noronha.

Aprimo​​​ramentos

No âmbito do STJ, o ministro apresentou a distinção entre as sessões de julgamento virtuais – com duração de sete dias e destinadas ao julgamento de recursos internos – e as sessões por videoconferência, que têm conseguido estabelecer uma dinâmica muito semelhante à dos julgamentos presenciais, com respeito às garantias das partes e dos advogados.

Em relação às sessões virtuais, contudo, o ministro defendeu a necessidade de aprimoramento do sistema de julgamento, com a adoção de um modelo mais simples de acesso aos votos e às decisões dos colegiados.

Por outro lado, apesar da eficácia das sessões por videoconferência, Noronha ponderou a necessidade de se estabelecerem alguns limites, como a restrição ao envio de sustentações orais gravadas. O ministro também lembrou que a possibilidade da defesa oral a distância pelos advogados pode gerar um grande número de inscrições para sustentação, comprometendo o rendimento das sessões.

Mesmo assim, o presidente do STJ acredita que, no futuro próximo, haverá uma espécie de "modelo híbrido de sessões de julgamento" – com a continuidade das sessões presenciais, mas com a opção da realização de reuniões por videoconferência.

Qualificaç​​ão

Em sua palestra, o ministro Noronha também defendeu a necessidade de qualificação dos advogados que pretendem atuar nas cortes superiores, já que esses tribunais são responsáveis pela fixação de teses e pela formação de precedentes que impactam profundamente a sociedade brasileira.

"A jurisprudência mal formulada em um tribunal superior pode ser danosa ao ambiente econômico, social, trabalhista e familiar", afirmou.

Além disso, o ministro apontou que é preciso garantir a independência dos magistrados, os quais, na tomada de decisões, não podem estar sujeitos a interferências políticas, pressões sociais ou informações da imprensa. "O juiz só é refém da Constituição", declarou.

Múltiplos t​​​emas

Congresso Digital Covid-19 foi realizado pela OAB entre os dias 27 e 31 de julho. O evento reuniu uma série de especialistas em 148 painéis, 17 conferências magnas e 466 palestras nacionais e internacionais.

Entre os diversos temas discutidos, estão o impacto da Covid-19 nos mais variados campos do direito, as fake news durante a pandemia, o funcionamento do Judiciário, as eleições de 2020, o panorama da advocacia e o papel da sociedade civil no combate ao novo coronavírus.

Além de Noronha, o congresso teve a participação de outros ministros do STJ, que debateram os seguintes temas:

Humberto Martins – As Ações e o Funcionamento do Judiciário em Tempos de Pandemia

Napoleão Nunes Maia Filho – Os Atos da Administração e a Responsabilidade em Momentos de Pandemia

Jorge Mussi – As Repercussões da Pandemia no Direito Penal

Luis Felipe Salomão – O Futuro dos Direitos das Empresas

Mauro Campbell Marques – Contratação pelo Poder Público no Orçamento de Guerra

Benedito Gonçalves – Os Atos da Administração e a Responsabilidade em Momentos de Pandemia

Raul Araújo – O Agronegócio, as Relações Jurídicas e a Pandemia

Paulo de Tarso Sanseverino – O Direito de Transição em Tempos de Crise Pandêmica

Villas Bôas Cueva – Proteção de Dados e Autodeterminação Informativa

Sebastião Reis Júnior – Mudanças do Processo Penal do Pacote Anticrime em Meio à Pandemia

Marco Buzzi – O Papel do Advogado na Mediação e Conciliação em Tempos de Pandemia

Marco Aurélio Bellizze – Dever de Renegociar

Moura Ribeiro – Obrigações e Revisão dos Contratos na Pandemia

Rogerio Schietti Cruz – Pandemia, Crimes contra a Saúde e Sistema Carcerário

Gurgel de Faria – Segurança Jurídica e Tributação em Tempos de Pandemia

Reynaldo Soares da Fonseca – As Repercussões da Pandemia no Direito Penal

Ribeiro Dantas – O Direito de Transição em Tempos de Crise Pandêmica

Antonio Saldanha Palheiro – As Repercussões da Pandemia no Direito Penal

STJ

Procurador Flávio Garcia aponta arbitragem e mediação como temas relevantes da Jornada de Direito Administrativo

 


​O procurador Flávio Amaral Garcia destacou o tema arbitragem e mediação como um dos focos da I Jornada de Direito Administrativo, evento promovido pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF), de 3 a 7 de agosto de 2020, em formato virtual.

"Vivemos tempos de métodos não adversariais na resolução das controvérsias. A mediação encontra um campo fértil na administração pública", comentou.

As jornadas de direito buscam delinear posições interpretativas sobre as normas vigentes, adequando-as às inovações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, por meio do debate entre especialistas e professores, com a produção e publicação de enunciados.  

Seis comissões de trabalho foram formadas para a apreciação e seleção das propostas de enunciados. As comissões são integradas por especialistas convidados pelo CJF.

O professor e procurador do Rio de Janeiro Flávio Garcia é um dos coordenadores científicos da comissão responsável pelos temas processo administrativo, arbitragem e mediação, responsabilidade civil do Estado, desapropriação e intervenção do Estado na propriedade. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Sérgio Kukina preside esta comissão, que conta com a professora Maria Cristina Cesar de Oliveira. 

Flávio Garcia atua nas áreas de contratação pública, regulação e arbitragem, tanto na advocacia pública como na advocacia privada. Procurador estadual no Rio de Janeiro, é doutor em direito público pela Universidade de Coimbra, e professor de pós-graduação e de escolas de magistratura.

Na sua opinião, qual é a importância da Jornada de Direito Administrativo no universo jurídico?

Flávio Garcia – O debate científico, dialógico e amplamente democrático é o traço mais importante da jornada. Não existe limitação ou restrição à participação. Advogados, servidores públicos, juízes, acadêmicos, estudantes podem participar oferecendo sugestões de enunciados sobre os mais variados temas do direito administrativo.

O direito administrativo vem sendo objeto de impactantes mutações e transformações nas últimas décadas. É, portanto, uma oportunidade para a comunidade jurídica promover um franco debate sobre os temas mais atuais e relevantes, a partir de uma perspectiva amplamente democrática.

Quais são os resultados práticos esperados desse evento? 

Flávio Garcia – Espera-se a produção de enunciados que reflitam o estado da arte do direito administrativo do século XXI. Os enunciados serão importantes vetores hermenêuticos nos mais variados temas, auxiliando os operadores do direito na compreensão contemporânea dos assuntos mais relevantes e polêmicos. 

O direito administrativo que vivenciamos na atual quadra é complexo, dinâmico, sofisticado e profundamente desafiador. Vivemos tempos de incerteza e transformações rápidas e radicais na sociedade, nos meios de comunicação e na forma como nos relacionamos, em razão, principalmente, da avassaladora evolução tecnológica. Tudo isso impacta diretamente a relação do Estado com a sociedade, com os cidadãos e com o mercado. 

A produção de enunciados amadurecidos a partir de um amplo debate com a comunidade jurídica poderá, certamente, captar esse momento riquíssimo e instigante do direito administrativo.  

Processo administrativo, arbitragem e mediação, desapropriação e intervenção do Estado na propriedade, responsabilidade civil do Estado. Em sua análise, algum desses temas merece maior destaque e discussão? Se sim, qual e por quê?

Flávio Garcia – Todos os temas são relevantíssimos e de destacada importância para os operadores do direito, bem como para os próprios administrados. 

Entretanto, se necessário for destacar um tema, certamente não hesitaria em mencionar a arbitragem e a mediação. Na compreensão da dogmática contemporânea do direito administrativo, a arbitragem e a mediação apresentam-se como mecanismos de solução de controvérsias que podem desafogar o Judiciário. 

A mediação permite que as partes tenham autonomia na solução dos seus próprios conflitos, a partir do pressuposto da consensualidade e de uma nova ótica na compreensão e na gestão do conflito. Vivemos tempos de métodos não adversariais na resolução das controvérsias. A mediação encontra um campo fértil na administração pública que poderá, por meio das suas câmaras de autocomposição estruturadas no âmbito das advocacias públicas, contribuir para a redução dos litígios levados ao Judiciário. 

A arbitragem destaca-se no universo das contratações administrativas de elevada expressão econômica e complexidade. A previsão de cláusulas compromissórias nos contratos de concessão e de parceria público-privada já é uma realidade, sendo de fundamental importância à segurança jurídica dos negócios, possibilitando a atração de novos investimentos para a infraestrutura do país. Os conflitos em contratos complexos, incompletos e sofisticados certamente se sucederão. E precisamos refletir seriamente sobre os mecanismos que poderão contribuir para a resolução mais célere e eficiente de tais conflitos. 

Entretanto, como são temas relativamente novos, geram dúvidas na sua aplicação e nos limites, a demandar uma sistematização lógica, racional e eficiente por parte dos operadores jurídicos; daí a enorme valia dos enunciados que serão produzidos na I Jornada de Direito Administrativo

É possível definir a efetividade da contribuição dos enunciados para a melhor aplicação do direito administrativo?

Flávio Garcia – A ideia de condensar entendimentos em enunciados milita a favor da segurança jurídica e da transmissão do conhecimento. Todos aqueles que atuam no direito administrativo, seja na área pública ou privada, sabem da importância de se consultar súmulas editadas no âmbito do Poder Judiciário, dos tribunais de contas ou mesmo da advocacia pública.

O enunciado que será produzido na jornada apresenta feição distinta, porquanto não representa a visão isolada de uma instituição, mas o entendimento filtrado a partir de amplo debate com toda a comunidade jurídica. 

A capacidade de sintetizar ideias em enunciados ou em súmulas administrativas é um desafio para todos aqueles que as elaboram, dada a necessidade de síntese em temas que se apresentam, não raro, com bastante complexidade e com distintos pontos de vista. 

Mas a verdade é que o operador do direito administrativo do século XXI precisará manejar, com frequência cada vez maior, mecanismos e instrumentos que tenham, na objetividade e na simplicidade, os seus pressupostos. Os enunciados refletem essa tendência, e estou certo de que produzirão profundo impacto nas decisões judiciais e administrativas.  

Leia mais sobre a I Jornada de Direito Administrativo

Veja também:

Professora Irene Nohara avalia impacto da jornada na interpretação do direito administrativo

Para Mauro Campbell, jornada pode ajudar a superar impasses na aplicação do direito administrativo

Em entrevista, professor Bernardo Strobel destaca a importância dos debates da I Jornada de Direito Administrativo

Ministro Sérgio Kukina afirma que jornada de direito administrativo será positiva para todos os estudiosos do assunto

Jornada de direito administrativo: professor Rafael Wallbach destaca aproximação entre Judiciário e academia

Joel Niebuhr destaca interesse por licitações e contratos nos preparativos da Jornada de Direito Administrativo

STJ

Joel Niebuhr destaca interesse por licitações e contratos nos preparativos da Jornada de Direito Administrativo

 


Segundo o professor Joel de Menezes Niebuhr, licitações e contratos são alguns dos temas que até agora geraram mais interesse para a formulação de enunciados a serem aprovados durante a I Jornada de Direito Administrativo, evento promovido pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF) entre os dias 3 e 7 de agosto, em formato virtual.

"A maioria expressiva dos enunciados propostos teve por objeto as licitações e os contratos, porque são assuntos muito presentes no cotidiano de todos os órgãos e entidades da administração pública, além de muito controversos", comentou o professor ao avaliar as propostas submetidas à comissão temática da qual participa.

As jornadas de direito buscam delinear posições interpretativas sobre as normas vigentes, adequando-as às inovações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, por meio do debate entre especialistas, com a produção e publicação de enunciados.  

Seis comissões de trabalho foram formadas para apreciação e seleção das propostas de enunciados. As comissões são integradas por especialistas convidados pelo CJF. Joel Niebuhr é um dos coordenadores científicos da comissão responsável pelos temas licitações, contratos administrativos, concessões e parcerias público-privadas.

O desembargador federal João Batista Moreira, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, preside esta comissão, que conta também com o professor de direito administrativo Eduardo Jordão.

Joel Niebuhr foca a sua atividade profissional na área de licitações e contratos, especialmente na temática de contratos de concessão e de parcerias público-privadas. Ele é doutor em direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e tem diversos livros publicados sobre o assunto.

Na sua opinião, qual é a importância da I Jornada de Direito Administrativo no universo jurídico?

Joel Niebuhr – É muito bom que o Judiciário se aproxime e dialogue com a academia, o que areja e permite construir consensos. No final das contas, a jornada é voltada para a produção de enunciados, que expressam certos consensos, porque condensam entendimentos os quais servem de base para a aplicação do direito administrativo pela própria administração, pelos órgãos de controle, pelo judiciário e pela doutrina, contribuindo para a criação de um ambiente com mais estabilidade e segurança jurídica, o que parece ser a grande missão da jornada.

Quais são os resultados práticos esperados desse evento?

Joel Niebuhr  A aprovação de bom número de enunciados realmente relevantes que façam a diferença na aplicação do direito administrativo e que sejam acolhidos pela administração, pelos órgãos de controle, pelo poder judiciário e pela doutrina.

Licitações, contratos administrativos, concessões e parcerias público-privadas. Em sua análise, algum desses temas merece maior destaque e discussão? Se sim, qual e por quê? 

Joel Niebuhr – Tivemos já uma primeira etapa de propositura de enunciados, aberta a todos os interessados. Dentro desses temas, a maioria expressiva dos enunciados propostos teve por objeto as licitações e os contratos, porque são assuntos muito presentes no cotidiano de todos os órgãos e entidades da administração pública, além de muito controversos. Então, sob o corte quantitativo, foram temas que atraíram a atenção da comunidade jurídica, o que mostra serem relevantes e de grande repercussão. Por outro lado, as concessões e as PPPs não têm tanta capilaridade, não são tão presentes na maioria dos órgãos e entidades da administração pública, mas muito importantes porque envolvem, normalmente, os contratos de maior valor econômico, de longo prazo e viabilizadores de grandes obras de infraestrutura. Diria que licitações e contratos ganham no aspecto quantitativo e que há um empate técnico no aspecto qualitativo, porque todos os temas são estratégicos e fundamentais.

É possível definir a efetividade da contribuição dos enunciados para a melhor aplicação do direito administrativo?

Joel Niebuhr – É possível, sim, e há vários meios para fazê-lo. Um deles, relativamente simples, consiste em contar a quantidade de citações e remissões aos enunciados realizadas pela jurisprudência e doutrina. É um bom instrumento para medir a relevância dos enunciados. Quanto mais citações e remissões, maior a efetividade dos enunciados.

Leia mais sobre a I Jornada de Direito Administrativo

Veja também:

Professora Irene Nohara avalia impacto da jornada na interpretação do direito administrativo

Para Mauro Campbell, jornada pode ajudar a superar impasses na aplicação do direito administrativo

Em entrevista, professor Bernardo Strobel destaca a importância dos debates da I Jornada de Direito Administrativo

Ministro Sérgio Kukina afirma que jornada de direito administrativo será positiva para todos os estudiosos do assunto

Jornada de direito administrativo: professor Rafael Wallbach destaca aproximação entre Judiciário e academia

STJ

Fatos supervenientes impedem Terceira Turma de declarar liquidez de execução interposta 28 anos após a sentença

 

JUSTIÇA

Em virtude de uma série de fatos supervenientes ocorridos no intervalo de 28 anos entre a sentença e o pedido de cumprimento do comando judicial, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou inviável a execução, em 2011, de título originado de acórdão de 1983 que declarou o direito de propriedade rural ao autor da ação, ajuizada em 1975.

Para o colegiado, com as alterações profundas do cenário fático durante as últimas três décadas – como a modificação da área do imóvel e o posterior levantamento de questões sobre a validade dos registros cartorários à época do início da ação – o título judicial deixou de ter obrigação certa, líquida e exigível, pressupostos fundamentais para que o título seja executado. 

No caso que deu origem ao recurso especial, o autor ajuizou contra os réus ação de rescisão e restituição de comodato, relativo a imóvel rural localizado em Petrolina (PE).

Em 1981, o juiz de primeiro grau julgou procedente o pedido, com sentença mantida em segundo grau pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). O processo transitou em julgado em 1983 e, no mesmo ano, o autor requereu a execução da sentença, buscando a efetiva entrega da propriedade rural.

A ação de execução permaneceu sem qualquer movimentação durante décadas, até que, no ano de 2011, o juiz determinou a intimação do autor para que promovesse o andamento do processo. Em resposta, os herdeiros do autor da ação requereram o cumprimento de sentença e formularam pedido de expedição de mandado de imissão de posse.

Áreas alien​adas

Após intimação realizada pelo magistrado, os herdeiros dos réus informaram que não poderiam cumprir a determinação judicial porque a área objeto dos autos não correspondia mais à propriedade discutida nos autos. Segundo eles, algumas áreas que pertenciam à propriedade rural foram alienadas e disponibilizadas à população por meio do programa Minha Casa, Minha Vida.

Além disso, duas empresas ingressaram no processo como assistentes sob o argumento de que adquiriram legitimamente parte do terreno que integra a área pleiteada pelos herdeiros do autor. Na sequência, uma das partes assistentes requereu a extinção do processo em razão de prescrição intercorrente, argumento acolhido pelo magistrado.

Em segunda instância, o TJPE declarou a nulidade do processo de cumprimento de sentença em virtude do não cumprimento do requisito de exigibilidade do título executivo judicial. No acórdão, o tribunal oportunizou às partes o direito à regularização do título executivo, e aos terceiros adquirentes de lotes do imóvel a defesa dos seus direitos.

Condições ess​​enciais

No recurso especial, os herdeiros alegaram, entre outros pontos, que, como previsto no artigo 475-N do Código de Processo Civil de 1973, nas ações de entregar coisa certa, a execução se dá nos próprios autos, sem submeter as partes a um novo processo. Além disso, os recorrentes afirmaram que o acórdão priorizou o suposto direito de terceiros em detrimento do direito de propriedade reconhecido há mais de 30 anos, mediante sentença transitada em julgado.

O relator do recurso especial, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, lembrou que, para se propor a execução, é preciso que haja um título executivo, judicial ou extrajudicial, contendo uma obrigação certa, líquida e exigível, nos termos do artigo 580 do CPC/1973.

Todavia, no caso dos autos, o ministro apontou que não haveria como ser efetivada a tutela jurisdicional executiva, tendo em vista que fatos supervenientes tornaram a obrigação inexequível.

Entre esses fatos, destacou o ministro, estão as alegações de modificação da área delimitada na ação original e a existência de documentos, apresentados pelas empresas assistentes, que apontam a existência de uma cadeia sucessória de propriedade diferente daquela declarada anteriormente no processo.

Além disso, Paulo de Tarso Sanseverino ressaltou que, conforme concluiu o TJPE, "as questões levantadas pelos próprios recorrentes (alienações fraudulentas, fraude em registro cartorário, grilagem etc.), além de manifestamente prejudiciais ao cumprimento da obrigação, não comportam análise exauriente em sede de cumprimento de sentença".

Consequentemente, ao manter o acórdão do tribunal pernambucano, o ministro Sanseverino concluiu que seria imprescindível examinar, de forma prévia, a verdadeira cadeia dominial do imóvel, a fim de que seja possível investigar eventual culpa dos antigos comodatários, bem como para preservar eventual posse de terceiros.

Leia o acórdão. ​

STJ
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1835286

Nulidade por falta de juntada de cópia do agravo de instrumento na origem depende do efetivo prejuízo

 


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reafirmou entendimento segundo o qual, não se verificando prejuízo à parte contrária, não há nulidade na juntada de cópia do agravo de instrumento fora do prazo de três dias previsto no Código de Processo Civil (CPC).

O colegiado entendeu que houve excesso de formalismo por parte do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) quando não admitiu o agravo de instrumento em uma ação de separação porque a cópia do recurso foi juntada ao processo um dia após o prazo. O agravo foi interposto contra decisão que indeferiu o pedido da autora para que fosse expedido ofício ao empregador do réu para o pagamento de pensão alimentícia.

O ex-marido, réu na ação, argumentou que não houve a observância do prazo de três dias para juntada do agravo de instrumento, do comprovante de sua interposição e da relação dos documentos que instruíram o recurso da agravante. Segundo ele, tal circunstância, por si só, deveria levar à inadmissibilidade do agravo, nos termos do parágrafo 3º do artigo 1.018 do CPC/2015, tendo em vista serem autos físicos. 

O TJSP afirmou que a juntada de cópia da petição do agravo ao processo principal é facultativa em autos digitais, porém é obrigatória nos autos físicos, como no caso.

Excesso de rigor

No recurso especial, a ex-mulher – autora do agravo de instrumento – argumentou que a comunicação da interposição do recurso prevista no CPC, ainda que com um dia de atraso, cumpriu o objetivo do ato. Além disso, afirmou que a parte contrária não alegou nem demonstrou o indispensável prejuízo que teria sido causado pelo ato intempestivo de comunicação ao juízo sobre o recurso.

Citando precedentes, o relator na Terceira Turma, ministro Villas Bôas Cueva, ressaltou que o entendimento do TJSP destoa da jurisprudência do STJ, segundo a qual a finalidade principal da regra do artigo 526 do CPC de 1973 – que encontra correspondência no artigo 1.018 do CPC de 2015 – é proporcionar à parte contrária o exercício de sua defesa, evitando-se qualquer prejuízo processual. Inexistindo prejuízo à parte agravada e tendo esta exercido o seu direito de defesa, não há falar em nulidade.

"A lei faculta a prática do ato a fim de permitir a retratação do juízo de origem, motivo pelo qual deve ser afastado o excesso de rigor formal, à luz do princípio da instrumentalidade das formas", afirmou o relator.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.​

STJ

São inválidas provas obtidas por guarda municipal em investigação deflagrada por denúncia anônima

 


Por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que são inválidas as provas obtidas pela guarda municipal em atividade investigativa, iniciada após denúncia anônima, que extrapola a situação de flagrante.

Com base nesse entendimento, os ministros negaram provimento a recurso do Ministério Público que pedia o restabelecimento da sentença que condenou um homem por tráfico de drogas. O MP sustentava a validade das provas obtidas pelos guardas municipais que efetuaram a prisão em flagrante do acusado.

Segundo os autos, após denúncia anônima, os guardas municipais abordaram o réu e, não encontrando entorpecentes com ele, seguiram até um terreno nas proximidades, onde teriam apreendido maconha e filme plástico supostamente utilizado para embalar a droga.

Função de p​olícia

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) considerou inválida a apreensão de entorpecentes relatada pela guarda municipal e absolveu o acusado com base no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, sob o argumento de que atividades de investigação e policiamento ostensivo constituem função das Polícias Civil e Militar, conforme o artigo 144, parágrafo 8º, da Constituição Federal.

Ao confirmar o acórdão do TJSP, o relator, ministro Nefi Cordeiro, explicou que, no caso em julgamento, as provas são inválidas, pois os guardas municipais exerceram atividade de investigação motivados por denúncia anônima e nada encontraram na busca pessoal.

Para os ministros da Sexta Turma, não há impedimento à prisão em flagrante executada por guardas municipais – ou qualquer outra pessoa –, e as provas decorrentes dessa prisão não seriam ilícitas.

No entanto, segundo o relator, "os guardas municipais desempenharam atividade de investigação, o que, consoante o artigo 144, parágrafo 8º, da Constituição Federal, não lhes compete. Assim, não podem ser consideradas lícitas as provas decorrentes da referida busca", concluiu.

Leia o acórdão.

STJ

Para Primeira Turma, constitucionalidade de artigo do Código Florestal não significa aplicação retroativa da regra

 


Por entender que a declaração de constitucionalidade do artigo 15 do Código Florestal, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não significa a aplicação automática dessa regra a casos pretéritos, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a incidência do dispositivo em uma ação civil pública e manteve a área de preservação ambiental nos moldes da legislação vigente à época dos fatos.

"O Superior Tribunal de Justiça, em diversos julgados, tem defendido a tese de que, em matéria ambiental, deve prevalecer o princípio tempus regit actum, de forma a não se admitir a aplicação das disposições do novo Código Florestal a fatos pretéritos, sob pena de retrocesso ambiental" – afirmou o ministro Gurgel de Faria, no voto que foi acompanhado pela maioria do colegiado.

O Ministério Público de São Paulo (MPSP) moveu a ação contra os proprietários de um terreno para obrigá-los a instituir uma área de reserva ambiental, comprovar a existência de cobertura florestal ou demonstrar que estavam realizando a recomposição natural da área. O MPSP também pediu que os proprietários não explorassem a área.

A sentença foi parcialmente favorável ao MPSP, impondo obrigações aos proprietários como a instituição da área de reserva ambiental no terreno. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deu provimento parcial à apelação dos donos, aplicando as regras do atual Código Florestal que permitem o cômputo da área de preservação permanente na reserva legal, desde que preenchidos os requisitos do artigo 15.

Abordagens diversas

Por meio de recurso especial, o MPSP questionou a aplicação imediata dos artigos 15 e 66 do Código Florestal, e alegou que o TJSP desconsiderou o princípio da proibição de retrocesso ambiental.

Segundo o ministro Gurgel de Faria, a interpretação do STF – que, em controle concentrado de constitucionalidade, considerou válido o artigo 15 – não impede a análise da irretroatividade do atual Código Florestal, por serem abordagens diferentes.

"A orientação desta corte não ingressa no aspecto constitucional do novo diploma, nem poderia tê-lo feito, mas aprecia a irretroatividade da norma ambiental, amparada na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Isto é, efetua uma leitura de ordem infraconstitucional", explicou.

Análise inf​raconstitucional

Gurgel de Faria disse que o STF, ao confirmar a adequação de pontos do Código Florestal à Constituição, não inibiu a análise da aplicação temporal do texto legal no plano infraconstitucional, tarefa que cabe ao STJ.

No mesmo sentido, o ministro lembrou que a Corte Especial do STJ, baseada em entendimento do STF, concluiu que os conceitos de direito adquirido, de ato jurídico perfeito e de coisa julgada não são fixados pela Constituição Federal, mas sim pela legislação infraconstitucional, motivo pelo qual é possível o conhecimento de recurso especial que invoca a aplicação de direito adquirido à luz do artigo 6º, parágrafo 2º, da LINDB. 

"A declaração de constitucionalidade do artigo 15 da Lei 12.651/2012 não desqualifica a aferição da aplicação imediata desse dispositivo aos casos ocorridos antes de sua vigência. Tal compreensão, reitero, não conflita com o decidido pelo STF, porque se trata de juízos realizados em campos cognitivos diversos", afirmou o ministro.

Em seu voto, Gurgel de Faria citou jurisprudência do STJ sobre a proibição do retrocesso em matéria ambiental para justificar o parcial provimento do recurso e, em consequência, determinar que os proprietários implementem a área de reserva legal nos moldes do antigo Código Florestal.

Leia o acórdão.

STJ
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1646193

Para Segunda Seção, vícios estruturais de construção estão cobertos pelo seguro habitacional

 


Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que os vícios estruturais de construção estão cobertos pelo seguro obrigatório do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), cujos efeitos devem se prolongar além da quitação do financiamento. Para os ministros, o seguro deve cobrir o sinistro concomitante à vigência do contrato, ainda que o defeito de construção só se revele mais tarde (vício oculto).

O colegiado deu provimento ao pedido de indenização de moradores de um conjunto habitacional em Bauru (SP), cujas casas apresentaram problemas estruturais como rachaduras relacionadas a fundações mal executadas, umidade e madeiras apodrecidas.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) havia entendido que não caberia cobertura securitária por danos decorrentes de vícios de construção, excluídos expressamente da apólice.

Expectativas do seg​urado

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, afirmou que o risco coberto pelo contrato de seguro é delimitado previamente, o que limita a obrigação da seguradora de indenizar. "Mas o exame dessa limitação não pode perder de vista a própria causa do contrato de seguro, que é a garantia do interesse legítimo do segurado", assinalou.

A ministra lembrou que o artigo 1.443 do Código Civil de 1916, assim como o artigo 765 do código de 2002, traz a ideia da boa-fé objetiva nos contratos de seguro, exigindo tanto do segurado quanto do segurador um comportamento de cooperação, lealdade e confiança recíprocas. Ao citar a doutrina especializada no assunto, a ministra ressaltou que, da essência da boa-fé objetiva, decorre para o segurador o dever de atender às justas expectativas do segurado em razão da natureza e da função social do contrato de seguro.

Segundo a relatora, o seguro obrigatório vinculado ao SFH visa à proteção da família, em caso de morte ou invalidez do segurado, e à salvaguarda do imóvel que garante o respectivo financiamento, resguardando, assim, os recursos públicos direcionados à manutenção do sistema.

"A partir dessa perspectiva, infere-se que uma das justas expectativas do segurado, ao aderir ao seguro habitacional obrigatório para aquisição da casa própria pelo SFH, é a de receber o bem imóvel próprio e adequado ao uso a que se destina. E a essa expectativa legítima de garantia corresponde à de ser devidamente indenizado pelos prejuízos suportados em decorrência de danos originados na vigência do contrato e geradores dos riscos cobertos pela seguradora, segundo o previsto na apólice, como razoavelmente se pressupõe ocorrer com os vícios estruturais de construção", disse.

Inter​​esse público

A apólice discutida no recurso cobria danos decorrentes de "eventos de causa externa", ou seja, causados por forças que atuam de fora sobre o imóvel. No entanto, para Nancy Andrighi, os defeitos de construção provocam a atuação de forças anormais sobre o imóvel, pois qualquer esforço sobre alicerces fragilizados é capaz de ocasionar danos que não ocorreriam se a estrutura fosse íntegra.

Desse modo – concluiu a ministra –, a interpretação fundada na boa-fé objetiva, tendo em vista a função socioeconômica do seguro vinculado ao SFH, leva a concluir que a exclusão de responsabilidade da seguradora se dá apenas em relação aos riscos resultantes de atos do próprio segurado ou do desgaste natural do bem.

Para a relatora, não é compatível com a garantia de segurança esperada pelo segurado supor que os prejuízos derivados de vícios de construção estejam excluídos da cobertura.

"Sob a ótica do interesse público, revela-se ainda mais importante essa observação, na medida em que a integridade estrutural do imóvel é condição essencial para que o bem se mostre apto a acautelar o financiamento e, a um só tempo, a atingir sua finalidade de facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população, assegurando, por conseguinte, a continuidade da política habitacional", declarou.

Leia o acórdão.

Leia também:

Para Quarta Turma, mutuário tem um ano após fim do contrato para cobrar seguro do SFH por vício de construção

STJ
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1804965