Orçamento é insuficiente para fechar as contas e não haverá Chamada Universal em 2019, diz o novo presidente do órgão, João Azevedo
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João Luiz Filgueiras de Azevedo, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
. João Luiz Filgueiras de Azevedo assumiu a presidência do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em fevereiro com uma lista bem definida de problemas para resolver. O mais óbvio deles é um rombo da ordem de R$ 300 milhões no orçamento da agência, que precisa ser preenchido o quanto antes para garantir, pelo menos, o pagamento de bolsas até o fim do ano. “É o mínimo que precisamos para pagar o que já está contratado”, detalha Azevedo, em entrevista exclusiva ao Jornal da USP. Ele já adianta que não haverá Chamada Universal em 2019 nem aumento no valor das bolsas, por enquanto. “Não existe plano B. Não temos como fechar as contas sem mais grana neste ano; isso é um fato.”
Outro desafio urgente é o resgate da estrutura operacional do próprio CNPq. As plataformas Lattes e Carlos Chagas estão criticamente defasadas do ponto de vista tecnológico, operando no limite da sua capacidade; e o quadro de funcionários da agência não para de encolher. Cerca de 20 servidores se aposentaram só nos últimos 30 dias, e outros 74 poderão deixar a agência até o fim do ano. “Estamos sentindo o aperto”, diz Azevedo. “Você até consegue fazer mais com menos pessoas, se você informatizar e automatizar processos, etc. Mas tem um limite abaixo do qual a coisa entra em colapso.”
Em meio a essa escassez de recursos humanos e financeiros, o novo presidente ainda tem a missão de tentar conciliar o apoio universal à pesquisa científica, que é uma marca do CNPq, com as demandas crescentes por inovação tecnológica e priorização de investimentos em áreas consideradas estratégicas pelo governo. “O mais difícil não é priorizar, é compatibilizar”, diz Azevedo. “Esse é o grande desafio de longo prazo.”
O montante previsto para o CNPq na Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano é de R$ 785 milhões para bolsas e de R$ 127 milhões para fomento à pesquisa. Total: R$ 912 milhões. O mínimo necessário para honrar os compromissos já assumidos, segundo Azevedo, é R$ 1,2 bilhão. Sem uma complementação orçamentária, chegará um momento — em setembro — em que o órgão terá de optar entre pagar bolsas ou pagar projetos. “Estou cautelosamente otimista de que a gente vai conseguir reverter isso, porque nosso ministro está muito empenhado nesse sentido, mas ainda não revertemos. Ou seja, o problema ainda existe.” .
. O CNPq é a principal agência de apoio à ciência do governo federal, com um portfólio de aproximadamente 80 mil bolsistas, 11 mil projetos de pesquisa, 500 eventos científicos e 200 periódicos científicos. Seu orçamento, porém, vem sofrendo com cortes e contingenciamentos sistemáticos nos últimos anos. “O ambiente com que a gente vai conviver nos próximos anos é um ambiente de Estado menor, de governo menor, e portanto não tenho nenhuma grande expectativa de que o orçamento do CNPq vai virar uma coisa tranquila, de que eu vou administrar alguma fartura”, diz Azevedo.
Engenheiro aeronáutico, de 59 anos, formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), com mestrado e doutorado na Universidade Stanford, Azevedo tem uma formação acadêmica semelhante à do ministro Marcos Pontes, que o escolheu para o cargo. É pesquisador titular do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial da Força Aérea Brasileira, e professor colaborador do ITA.
Esta é sua primeira entrevista oficial desde que assumiu a presidência do CNPq, em 22 de fevereiro. Leia a seguir um resumo dos principais pontos abordados por ele.
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Foto: Marcos Santos/USP Imagens
. Orçamento
O orçamento de 2019 está posto, disse Azevedo, e não há muito o que fazer com relação a isso, além de buscar essa complementação mínima de R$ 300 milhões. “Embora não seja um valor tão grande no contexto do governo como um todo, é difícil conseguir mais R$ 300 milhões num ambiente como o que a gente está vivendo. E aqui não há crítica nenhuma a nada; estamos só constatando fatos.”
A atenção da equipe, segundo ele, já está voltada também para o orçamento de 2020, “para garantir que a gente não vai estar na mesma situação no ano que vem”.
Resultados
“Uma das diretrizes do ministério é que a gente precisa ser capaz de demonstrar resultados”, disse Azevedo. “É óbvio que a gente tem resultados; basta ver as estatísticas de publicação de artigos, de patentes, etc. Mas não adianta; tem que demonstrar resultados de um jeito que a população entenda, e que outros setores do governo entendam.”
“Já estamos trabalhando na construção desses indicadores, que a gente precisa para demonstrar ou justificar nossa necessidade de orçamento para o próximo ano.”
Bolsas x fomento
Apesar do orçamento total ser menor, o valor destinado a fomento (auxílio a projetos de pesquisa) neste ano é 86% maior do que em 2018, segundo uma planilha enviada à reportagem após a entrevista. O valor passou de R$ 68 milhões para R$ 127 milhões. “É um crescimento porcentual grande”, destacou Azevedo. “O que não significa que haja uma quantidade enorme de dinheiro”, complementou.
Os valores reservados para programas de cooperação internacional e popularização da ciência também aumentaram neste ano — 122% e 95%, respectivamente. Já o montante reservado para o pagamento de bolsas caiu 18%, de R$ 959 milhões para R$ 785 milhões.
“A gente está lidando com isso de forma muito cautelosa, porque eu não sei se os R$ 300 milhões vão voltar. Se não voltarem, posso sempre fazer um pedido de transformar uma parcela desses recursos de fomento em bolsas”, disse Azevedo. “Talvez seja possível remanejar alguma coisa parcialmente, mas não existe nesse momento um plano B. Não há nenhum remanejamento que eu consiga fazer que baste para fechar as contas sem recursos adicionais.”
O CNPq apoia atualmente cerca de 80 mil bolsistas, em diversas categorias, que abrangem desde alunos de graduação (iniciação científica) até pesquisadores profissionais (bolsas de produtividade em pesquisa).
Editais
Não há previsão de realização de uma Chamada Universal este ano, disse Azevedo, referindo-se ao principal e mais tradicional edital de apoio à pesquisa do CNPq. Realizada desde 2000, a chamada é aberta a todos os pesquisadores, de todas as áreas e categorias, sendo especialmente importante para jovens cientistas e grupos de pesquisa emergentes, em início de carreira.
“Nesse momento, a expectativa é que tenhamos uma Chamada Universal em 2020”, disse Azevedo. O edital não foi realizado também em 2015 e 2017, por falta de recursos. A chamada de 2018 distribuiu R$ 200 milhões para 5,5 mil projetos de pesquisa em todo o País. Um terço desse valor já foi quitado; os outros dois terços devem ser pagos neste ano e no próximo, segundo Azevedo.
Valor das bolsas
A Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) lançou recentemente uma campanha pelo reajuste do valor das bolsas de mestrado e doutorado, que estão congelados desde 2013. Azevedo diz que “o pleito é justo”, mas que não há como fazer um reajuste na atual situação.
“Para crescer o valor das bolsas, precisa crescer o orçamento. Mas como equacionar isso com o teto congelado? Esse é o nó que precisa ser desatado”, diz. “O pleito é justo, ninguém está discutindo isso; mas isso precisa ser fatorado e virar orçamento de alguma maneira. Então, há uma necessidade de convencer pessoas que estão muito acima do presidente do CNPq.”
O valor mensal das bolsas é de R$ 1,5 mil para mestrado e R$ 2,2 mil, para doutorado, com exigência de dedicação exclusiva — ou seja, o aluno é proibido de trabalhar fora do seu projeto de pesquisa e precisa viver somente com o valor da bolsa. .
Foto: Reprodução / carloschagas.cnpq.br
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Defasagem tecnológica
As plataformas digitais Lattes e Carlos Chagas, que são a base de trabalho do CNPq, estão bastante defasadas do ponto de vista tecnológico, operando com problemas, e precisam de uma renovação urgente para não comprometer o funcionamento do órgão, segundo Azevedo.
A prioridade máxima, segundo ele, é a Plataforma Integrada Carlos Chagas, que o CNPq utiliza para interagir com seus usuários, propor, julgar e implementar editais, gerenciar dispêndios e outras atividades essenciais. Além de estar obsoleta do ponto de vista tecnológico, ela precisa ser atualizada com relação às novas leis e regulamentações que entraram em vigor nos últimos anos — por exemplo, o Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação.
O ministro Marcos Pontes já deu “luz verde” e acenou com recursos adicionais para a construção da nova plataforma, que deve entrar em funcionamento até julho de 2020. “É um desafio”, diz Azevedo. “Você tem que trocar o pneu do carro com o carro rodando.” O novo sistema será projetado pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), ligada ao MCTIC.
A Plataforma Lattes é de 1999 e a Carlos Chagas, de 2006.
Recursos humanos
O quadro de servidores do CNPq encolheu 40% nos últimos 15 anos. Eram 700 funcionários em 2003; agora são 417, e 74 deles já podem se aposentar a partir deste ano. “É um problema que estamos tratando como é possível tratar, mas não temos uma solução em vista”, disse Azevedo. “Se alguém entra em férias, não há substituto. Não temos mais backup.”
O último concurso, segundo o CNPq, foi autorizado em 2010, com a contratação de 142 servidores.
Universalidade
“A atuação do CNPq sempre teve essa característica de universalidade, de atender a todas as áreas e todas as regiões do País. Isso é importante e precisa ser continuado”, disse Azevedo. O grande desafio, segundo ele, é compatibilizar isso com a demanda crescente por inovação tecnológica e priorização de recursos para áreas consideradas estratégicas pelo governo.
“Dizer que não vou mais apoiar isso, só vou apoiar aquilo, é fácil. Mas não é correto, não é como o CNPq sempre procedeu. Então, temos que tentar compatibilizar essa questão da universalidade do apoio que o CNPq fornece com uma necessidade, também clara, de priorizar algumas coisas que vão contribuir para o desenvolvimento do País e, como diz o nosso ministro, gerar riqueza, e eventualmente resultar num benefício para o cidadão comum lá na rua.”
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Foto: Marcos Santos/USP Imagens
. Pesquisa básica
No momento em que mais se fala sobre inovação tecnológica e empreendedorismo no País, Azevedo optou em seu discurso de posse no CNPq por destacar a importância da pesquisa básica.
“Eu disse o que disse porque acredito no seguinte: não existe inovação se alguém não tiver feito a pesquisa antes, se alguém não tiver feito o desenvolvimento e o domínio do conhecimento antes”, justifica. “O receio que eu tenho é que muitas vezes esse discurso de inovação vire um negócio do tipo oba-oba. Eu acho que precisa continuar investindo no pesquisador, nos grupos de pesquisa. Claro que você quer também que essa pesquisa e esse conhecimento gerado virem inovação; mas se ficar só falando de inovação e esquecer que tem de continuar a alimentar esse cara que gera o conhecimento na base, eu acho que não vai ter inovação no final.”
Inovação
“Há pessoas que dizem que você só vai fazer inovação de fato na própria indústria; e tem gente que acredita que você consegue também fazer nas universidades e nos centros de pesquisa”, diz Azevedo. “Não vejo problema das universidades se envolverem com inovação. O problema é o seguinte: o professor sozinho no seu laboratório, na universidade, dificilmente vai gerar inovação. A inovação requer um ambiente para isso — ou precisa ter uma estrutura diferenciada dentro dessas instituições (universidades), ou o ambiente industrial efetivamente, para que você tenha os recursos necessários para atravessar o vale da morte e chegar a um produto final que vai ser comercializado.”
Veja mais:
Corte no orçamento de pesquisas coloca futuro do País em risco
Em entrevista à Rádio USP os professores Hernan Chaimovitch, do Instituto de Química da USP e ex-presidente do CNPq e Marcos Buckeridge, diretor Instituto de Biociências da USP e presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo repercutiram a matéria do Jornal da USP – Rombo de R$ 300 milhões põe em risco bolsas e fomento à pesquisa no CNPq.
Para Hernan Chaimovitch“Um hiato de investimento, igual a esse, desincentiva o pesquisador. Um doutorado é trabalho de quatro anos. Sem empresas e universidades que absorvam esse profissional, ele vai embora do Brasil se tiver talento”. Marcos Buckeridge “A universalidade de investimento é o que garante averiguações livres e desinteressadas. A produção acadêmica visa o futuro, é um investimento a longo prazo, não do agora”, completa Marcos Buckeridge. ouça aqui
A esperança média de vida nos países mais pobres é 18,1 anos maior do que a dos países mais ricos e as mulheres vivem mais tempo |Yuya Shino - Reuters
Dados da Organização Mundial da Saúde indicam que fatores biológicos e sociais fazem com que a mulher tenha uma esperança de vida 4,4 anos superior à dos homens. Das 40 principais causas de morte no mundo, 33 reduzem mais a vida aos homens do que às mulheres.
Os dados das Estatísticas Mundiais da Saúde de 2019 publicadas pela OMS, que analisam a esperança média de vida entre os sexos, mostram que atualmente um bebé do sexo feminino tem uma esperança média de vida à nascença de 74,2 anos, 4,4 anos a mais que um bebé do sexo masculino.
As grandes conclusões deste relatório não são uma novidade: a esperança média de vida nos países mais pobres é 18,1 anos maior do que a dos países mais ricos e as mulheres vivem mais tempo.“Estas estatísticas põem em relevo a necessidade de priorizar urgentemente os cuidados primários de saúde”, disse Samira Asma, diretora de dados da OMS, na apresentação do documento em Genebra.
As razões pelas quais os países de baixo rendimento têm uma esperança média de vida menor são a falta de bons sistemas de saúde, a baixa nutrição, as doenças infecciosas, as complicações no parto, a falta de água potável e de saneamento básico, entre outras.
Por sua vez, existem 33 causas que reduzem mais a esperança média de vida nos homens do que nas mulheres, quer de natureza biológica, quer de natureza social.
“Biologicamente, as mulheres têm um sistema imunológico mais forte, o que faz com que em países com baixos recursos, os rapazes até aos cinco anos de idade morram mais do que as raparigas”, afirmou Richard Cibulskis, autor do relatório. Isto explica, de uma perspetiva evolutiva, que estão a nascer mais crianças do sexo masculino.
Contudo, nos primeiros anos de vida, existe uma pequena vantagem de sobrevivência sobre as meninas, mas é depois da puberdade que surgem as grandes disparidades entre os sexos.
“Certas hormonas tornam os homens mais propensos a ataques cardíacos, por exemplo”, afirma Cibulskis. Fatores socias como fumar, beber, mortes por acidente rodoviário e suicídio são também mais comuns nos homens, acrescenta.
O relatório demonstra também que nos locais onde é mais frequente o vírus HIV, os homens têm maior probabilidade de morrer por esta causa uma vez que, procuram menos ajuda profissional do que as mulheres. O mesmo acontece com a tuberculose, assegura Cibulskis.
Para uma melhoria dos dados das estatísticas de 2019, a organização enfatiza a necessidade de atender às diferenças entre os sexos de forma a criar melhores respostas na Saúde. Porém, na celebração do Dia Mundial da Saúde (7 de abril), a OMS vai dar atenção à cobertura universal de saneamento básico – um dos principais focos do diretor-geral da organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus.
CIÊNCIAS Você já sentiu dificuldade para perder peso mesmo seguindo à risca uma dieta balanceada? Talvez a culpa recaia sobre as bactérias de sua flora intestinal. Nossos intestinos contêm cerca de 100 trilhões de micróbios, coletivamente conhecidos como flora intestinal — Foto: Pixabay
Nossos intestinos contêm cerca de 100 trilhões de micróbios, coletivamente conhecidos como flora intestinal. Tal como nossas digitais, cada um de nós tem seu próprio microbioma, e eles são uma combinação do que herdamos de nossas mães durante o nascimento, dietas, meio ambiente e estilo de vida.
É sabido que o intestino exerce um papel fundamental em diferentes partes do nosso corpo, incluindo digestão, fome e saciedade, por meio de múltiplos mecanismos. Mas agora os pesquisadores estão começando a descobrir as diferenças específicas entre os microbiomas de pessoas obesas e magras. Eles acreditam que essas descobertas possam levar a tratamentos mais eficientes de controle de peso.
Existem centenas de diferenças no genoma humano que nos predispõem à obesidade, o que aumenta o risco de desenvolvermos doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2.
Fatores genéticos, somados ao sedentarismo e à má alimentação, fizeram o número de pessoas com sobrepeso e obesas catapultar por todo o mundo. No Brasil, elas já são mais da metade da população, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Estudos com gêmeos mostraram que a obesidade tem uma taxa de herdabilidade - quanto de nossas características é causada pelos genes em vez do ambiente - entre 40% e 75%.
Ou seja, fatores externos podem influenciar nosso peso. Ainda assim, embora diferenças nas bactérias que carregamos em nossos intestinos possam interferir em nossos quilinhos extras, cientistas ainda não sabem por que ou até mesmo quanto disso se deve aos nossos genes.
Você já lutou para perder peso mesmo seguindo à risca uma dieta balanceada? Pois talvez a culpa recaia sobre as bactérias de sua flora intestinal. Especificamente, as enzimas transportadas dentro delas.
"Quando comemos algo, as bactérias que carregamos em nossos intestinos digerem parte dos alimentos que nossas enzimas não conseguem digerir", explica Purna Kashyap, professor-associado da Mayo Clinic e chefe do Gut Microbiome Lab, no Reino Unido.
"Esse processo gera calorias adicionais que nossa flora intestinal pode nos devolver. Trata-se, assim, de um relacionamento mutuamente benéfico, a partir do qual as bactérias nos dão mais nutrientes do que aqueles presentes no que comemos", acrescenta.
Kashyap decidiu, então, fazer um teste. Será que em uma dieta de baixa caloria, as bactérias do intestino poderiam ser mais eficientes não só em obter calorias dos alimentos (útil, por exemplo, em momentos de escassez de comida), mas também impedir a perda de peso?
Em seu experimento, 26 participantes seguiram uma dieta de baixo teor calórico rica em frutas, legumes e verduras, e alguns não perderam tanto peso quanto os outros. Análises de suas floras intestinais mostraram que os participantes tinham níveis diferentes de dois tipos específicos de bactérias. Uma delas, a Dialister, impedia a perda de peso.
Naqueles incapazes de perder peso, essa bactéria foi capaz de digerir carboidratos e usar sua energia de forma mais eficaz, diz Kashyap.
No entanto, o especialista diz que apenas uma fração da perda de peso pode ser controlada por esses micróbios.
"Do ponto de vista da biologia, faz sentido que as bactérias possam ser um obstáculo (para o emagrecimento), mas elas só conseguem desempenhar um papel muito pequeno, pois geram apenas um número reduzido de calorias necessárias."
Embora a pesquisa não pudesse concluir de onde vem a Dialister, outra pesquisa descobriu que algumas bactérias que passamos a carregar a partir de nossa dieta podem indiretamente causar ganho de peso ao mudar o comportamento do intestino.
Nesse estudo, os pesquisadores analisaram plasma sanguíneo e amostras de fezes de 600 pessoas obesas e não-obesas, e encontraram 19 diferentes metabólitos ligados a quatro tipos de bactérias intestinais que poderiam levar ao ganho de peso, incluindo glutamato, ligado à obesidade e BCAAs (aminoácidos de cadeia ramificada), associados à maior secreção de insulina e ao risco de diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.
Esses metabólitos podem ser parcialmente determinados pelo consumo de carne, segundo a pesquisadora Louise Brunkwall.
"O padrão metabólico que identificamos continha muitos aminoácidos de cadeia ramificada, encontrados em produtos de origem animal. Isso está em linha com outras pesquisas que mostram que uma alta ingestão de proteína aumenta o risco de várias doenças", explica ela.
Brunkall diz que a pesquisa precisa se concentrar em como a composição das bactérias intestinais pode ser modificada para reduzir o risco de obesidade, além de entender como é a aparência de intestino saudável e quais fatores alteram sua composição bacteriana.
Ainda não estão claras as diferenças no perfil de bactérias intestinais de pessoas magras em comparação com pessoas obesas, diz Oluf Pedersen, professor de Genética Metabólica no Centro de Pesquisa Metabólica Básica da Fundação Novo Nordisk da Universidade de Copenhague, na Dinamarca.
Por outro lado, já está cientificamente comprovada a importância de se ter uma flora intestinal diversa, repleta de muitos tipos diferentes de bactérias.
Pedersen e sua equipe analisaram as floras intestinais de 123 adultos não-obesos e 169 adultos obesos, e descobriram que 23% daqueles que tinham uma baixa diversidade de bactérias eram mais propensos a serem obesos, apresentavam resistência à insulina e tinham lipídios sanguíneos elevados e níveis maiores de marcadores de inflamação no sangue.
Tudo isso aumenta o risco de diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. Aqueles que eram obesos e tinham menor diversidade bacteriana estavam em uma situação pior: ganharam muito mais peso nos nove meses anteriores ao experimento.
Pedersen diz que os cientistas ainda não sabem as razões pelas quais algumas pessoas têm mais diversidade de bactérias intestinais do que outras. Por outro lado, sabem que múltiplos tratamentos com antibióticos podem contribuir para uma grande perda de bactérias que nunca se recuperam totalmente.
Causa ou consequência?
Neste sentido, não sabemos se a diversidade de bactérias é causa ou consequência do ganho de peso. Mas evidências indicam que nossa flora intestinal pode, sim, influenciar nosso metabolismo.
Estudo descobriu que podemos aumentar diversidade de nosso microbiota intestinal aumentando consumo de fibra — Foto: Fatima Teixeira/Unsplash
Um estudo descobriu que podemos aumentar a diversidade de nosso microbiota intestinal aumentando o consumo de fibra. Quando consumimos fibras, nosso intestino as decompõem em ácidos graxos de cadeia curta, incluindo o butirato, um anti-inflamatório ligado à magreza e a doenças inflamatórias mais baixas, explica Ana Valdes, autora do estudo e professora-associada da Universidade de Nottingham, no Reino Unido.
"Recomendo a quem tem diabetes tipo 2 fazer uma dieta rica em fibras para reduzir o nível da doença e aumentar a produção de butirato", diz ela.
"As pessoas com microbiomas mais diversificados e que comem mais fibras têm menos dietas insulinogênicas (alimentos que nos dão picos mais baixos de glicose e insulina) e, provavelmente, têm um metabolismo mais alto", acrescenta.
Segundo Valdes, "ainda precisamos fazer mais estudos, mas as bactérias intestinais podem converter a fibra em substâncias que modulam a sensibilidade à insulina e o metabolismo energético".
Sem dúvida, a evidência mais inovadora sobre a associação entre o peso e a saúde intestinal realizada até agora envolve a bactéria Christensenellaceae. Cerca de 97% de nós têm níveis detectáveis dessas bactérias em nossos intestinos, mas estudos mostraram que ela é mais predominante em pessoas magras.
Quando os pesquisadores analisaram bactérias intestinais hereditárias, a Christensenellaceae apareceu no topo da lista. Esse micro-organismo é encontrado em floras intestinais em todo o mundo e aparece desde uma idade muito precoce, inclusive nos intestinos dos bebês.
"Nunca tínhamos ouvido falar disso antes, e nos orgulhamos de ter feito essa descoberta", diz Ruth Ley, responsável pelo estudo e diretora do Departamento de Ciências de Microbiomas do Max Planck Institute for Development Biology, em Tübingen, Alemanha.
Para comprovar a importância dessa bactéria, pesquisadores transplantaram um microbioma associado a obesos, adaptados para incluir a Christensenellaceae, em camundongos e descobriram que isso os protegia contra o ganho de peso.
"Como a genética é responsável por apenas cerca de 40% dessa bactéria, não sabemos de onde vêm os outros 60%", diz Jillian Waters, que fez parte da equipe que realizou o estudo. Seu palpite é de que vêm da nossa dieta e do nosso estilo de vida. O objetivo dos pesquisadores agora é entender melhor essa relação para o desenvolvimento de possíveis tratamentos no futuro.
Tratamento personalizado
Enquanto isso, pesquisadores do Instituto Weizmann, em Israel, encontraram uma forma de personalizar o tratamento para beneficiar a saúde intestinal e reduzir o risco de desenvolver diabetes, doença que está associada à obesidade.
Eles pediram a mil voluntários que medissem o nível de açúcar no sangue a cada cinco minutos, além de registrar o que comeram, como dormiram e se sentiram durante uma semana. Descobriram, então, que eles reagiam de forma diferente a diferentes alimentos.
"Muitos alimentos geraram reações que esperávamos nas pessoas. Por exemplo, comer alimentos sem açúcar mantinha o nível de açúcar constante na maioria das pessoas. Já a ingestão de alimentos açucarados faziam com que esses níveis aumentassem. Mas o grau em que isso acontece varia muito entre as pessoas", diz Eran Segal, responsável pelo estudo.
Especialistas recomendam moderação no consumo do tomate — Foto: Divulgação/Prefeitura de Tatuí
"Tomates são um alimento que aumenta bastante os níveis glicêmicos para algumas pessoas, assim, sua ingestão deve ser controlada. Já para outras, um alimento específico pode ser prejudicial, mas, quando combinado com outro, gera benefícios".
A partir dos dados coletados, os pesquisadores desenvolveram um algoritmo que poderia determinar a composição bacteriana do intestino de uma pessoa e prever como os níveis de açúcar no sangue reagiriam a diferentes alimentos. Eles pediram a 25 participantes para comer alimentos considerados "bons" para o açúcar no sangue durante uma semana. Em seguida, alimentos considerados "ruins". As dietas mudaram as reações de açúcar no sangue e equilibraram com sucesso os níveis de açúcar no sangue.
O algoritmo foi licenciado para a start-up Day Two, que oferece serviços em Israel e nos EUA, e planeja expandir para o Reino Unido em um futuro próximo.
Segal está agora conduzindo pesquisas sobre pessoas com pré-diabetes e diabetes e observando se dietas customizadas projetadas por meio do algoritmo, quando mantidas por um período de tempo mais longo, podem reverter o pré-diabetes e o diabetes.
Os pesquisadores acreditam que outros tratamentos personalizados estarão disponíveis nos próximos cinco anos - mas ainda há muito trabalho a ser feito.
As bactérias em nossas entranhas, diz Kashyap, são capazes de reações bioquímicas complexas.
"Precisamos entender agora como essas bactérias influenciam cada um desses processos, levando à obesidade e diabetes, que são doenças complexas e multifatoriais", pondera.
"Nossa flora intestinal é mutável; podemos modificá-la. Se pudermos descobrir como as bactérias do intestino a influenciam, poderemos customizar tratamentos, o que terá um impacto na obesidade do paciente. Não há dúvidas de que o microbioma é parte dessa solução", conclui.