Baym esclarece que, embora continue havendo liberdade de expressão e imprensa nos EUA, "dada a natureza da política americana, Trump está agindo de maneira bastante autoritária".
"Ele ataca seus inimigos, normalmente de forma perssoal. Na primeira entrevista coletiva não aceitou perguntas... Está claro que esta é uma administração presidencial que está tentando manter um grande controle do que a imprensa pode dizer e fazer, que não aceita com leveza a crítica e que está tentando intervir e interferir no diálogo público."
Em outubro passado, o comediante sul-africano Trevor Noah dedicou um bloco do The Daily Show à comparação de algumas propostas e afirmações de Trump com as de vários presidentes de países da África.
"Donald Trump é presidenciável. Acontece que ele é candidato à presidência no continente errado", explicava Noah, em um vídeo que está entre os mais vistos no canal do programa no YouTube.
Ele comparou "o grau de autoestima" de Trump ao do ex-presidente de Uganda Idi Amin, que se fazia chamar oficialmente pelo título: "Sua excelência o presidente vitalício, marechal-de-campo Al Hadji doutor Idi Amin, VC, DSO, MC, CBE, senhor de todas as bestas da Terra e peixes no oceano e conquistador do império britânico na África em geral e em Uganda em particular".
Em seguida, aparece no vídeo a imagem de uma torre dourada com esse longo título escrito na fachada. E Noah acrescenta: "Felizmente, Idi Amin não era dono de nenhum cassino" (uma referência aos negócios de Trump).
Um dos grandes temas da campanha presidencial americana, e agora do governo Trump, é a verdade.
O melhor exemplo talvez seja a polêmica sobre o tamanho da multidão no dia da posse em comparação com a atraída pela cerimônia de Barack Obama em 2009.
Segundo o secretário de imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, a posse de Trump foi a que "teve o maior público na história dos juramentos presidenciais".
"A mídia está interpretando mal as imagens e utilizando dados pouco claros para minimizar o enorme apoio que o presidente recebeu no dia da sua posse", acrescentou.
Este e outros embates de Spicer com a imprensa foram parodiados em esquetes do Saturday Night Live, nos quais o secretário de imprensa foi interpretado pela atriz Melissa McCarthy.
"Quero começar pedindo desculpas em nome de vocês a mim pela forma como vocês me trataram nas últimas duas semanas", disse em tom enérgico o personagem de McCarthy aos jornalistas. "E não aceito as desculpas."
O esquete teve tamanha repercussão que na última quinta-feira o jornal The Washington Post publicou o seguinte título: "Sean Spicer foi totalmente Melissa McCarthy hoje".
Nas palavras de Evan Smith, professor de comunicação na Universidade de Siracusa, no Estado de Nova York, "as piadas quase que se escrevem sozinhas".
"Poderia-se pensar que chegaríamos a um ponto de saturação após tantos meses de piadas políticas", disse Smith à BBC Mundo.
Mas a verdade é que, acrescenta o professor, o governo americano "está sendo tão ativo que todos os dias" que acrescenta novos temas à agenda da comédia.
De fato, muitos meios de comunicação incorporaram a análise desses programas à sua cobertura. Na semana passada, por exemplo, o resumo matinal do jornal The New York Times na internet incluía a recomendação de um vídeo humorístico.
"Hoje em dia, os estudos mostram que muitos jovens adultos se informam não pelos jornais ou programas jornalísticos, mas por meio de shows de comediantes como Trevor Noah, John Oliver, Samantha Bee ou mesmo pelo Saturday Night Live", disse Smith.
John Oliver, por exemplo, negou várias vezes que o seu programa, Last Week Tonight, faça jornalismo. Ele sustenta que faz humor baseado na realidade.
No entanto, muitos segmentos de seu programa são citados como fonte de informação pela mídia como, por exemplo, sua análise da viabilidade do muro proposto por Trump na fronteira com o México.
No vídeo mais visto do Last Week Tonight no YouTube, o comediante britânico analisa a então candidatura de Trump e diz: "Não temos como saber qual dos seus inconsistentes pontos de vista serão executados quando ele governar. Mas quando ele prestar juramento como presidente, em 20 de janeiro de 2017, nesse dia suas opiniões vão importar".
"E você vai lembrar dessa data, porque nesse dia vão chegar viajantes do futuro tentando frear tudo isso para que nunca aconteça", continua Oliver.
Segundo Baym, a sátira política nos EUA começou a ganhar importância depois dos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 e a posterior invasão militar do Iraque.
"O jornalismo não estava funcionando como uma crítica formal ao governo do presidente George W. Bush. Foi então que Jon Stewart e Stephen Colbert se tornaram vozes importantes no cenário político americano", afirma.
Para ele, no momento, o problema com o jornalismo é outro: "Temos tantas fontes de informação e desinformação que já não existem meios de comunicação de massa que falem a todos no país. As pessoas escolhem a informação que querem ouvir e as notícias que explicam a sua visão de mundo".
"A comédia tem a capacidade de cruzar fronteiras e apelar para uma audiência maior e mais variada do que muitos meios de informação", acrescenta.
E o fenômeno do humor relacionado a Trump já cruzou fronteiras - literalmente.
Nos últimas semanas, surgiram dezenas de vídeos em que vários países do mundo, especialmente da Europa, se apresentam ao novo presidente americano.
A ideia é sempre a mesma: se os EUA vão ser a prioridade - ou seja, vir "primeiro", como promete Trump -, então o país do vídeo quer ser o "segundo".