A primeira parte do 5º relatório do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgada no dia 27 de setembro, alimenta a perspectiva de que
a temperatura média do planeta aumentará significativamente nas próximas décadas. Consequências previstas, como a
elevação do nível do mar, a desertificação, o derretimento das calotas polares e outros eventos climáticos, não acontecem de uma hora para a outra. Mas há grupos de seres humanos que já sentem na pele os efeitos desse aquecimento. Os migrantes ambientais, também chamados de refugiados climáticos, precisam abandonar sua terra natal devido a alterações no meio ambiente.
De acordo com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), havia mais de 50 milhões deles em 2010. “E a previsão da organização é de que, em 2050, esse número chegue a 250 milhões”, salienta o climatologista Francisco Eliseu Aquino, chefe do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
“Esses estudos são bastante razoáveis, mas esse é um cenário em que nada é feito, no qual não se cria nenhuma alternativa às populações que vivem sujeitas a isso. Não significa que essa projeção vai acontecer”, explica o climatologista Carlos Nobre, secretário do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e membro do
Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas.
De acordo com o novo relatório do IPCC, a elevação das temperaturas globais é uma realidade - com 95% de certeza, provocada pelo ser humano e suas emissões de carbono. O cenário mais otimista indica que a temperatura média do planeta, caso seja estabilizada a concentração de gases do efeito estufa nos próximos 10 anos, pode aumentar entre 0,3 e 1,7º C até 2100. No segundo cenário, o aumento da temperatura ficaria entre 1,1 e 2,6º C e, no terceiro, de 1,4 a 3,1ºC. Já o quarto e pior cenário, no qual as emissões dos gases do efeito estufa continuam a aumentar de forma acelerada, a Terra poderia se aquecer de 2,6 a 4,8º C até o final de 2100. Esse quadro catastrófico elevaria o nível do mar entre 45 e 82 centímetros.
Os relatórios do IPCC são baseados em pesquisas atualizadas de milhares de cientistas de todo o mundo. O 4º documento, lançado em 2007, proporcionou à organização a conquista do prêmio Nobel da Paz (dividido com Al Gore, no mesmo ano), e já citava algumas das populações mais vulneráveis. “Assentamentos humanos em regiões montanhosas têm maior risco de inundações súbitas, pelo derretimento das geleiras”, diz o documento, que cita também a região africana de Sahel – um corredor entre o deserto do Saara e as terras ao sul – e manguezais e zonas costeiras atingidas pelo aumento no nível do mar.
Há um temor muito grande quanto a essa região subsaariana na África, onde a água é escassa e milhões de pessoas devem migrar, principalmente para o continente europeu”, opina Carlos Nobre, que participa do grupo de trabalho II do IPCC, que diz respeito justamente às consequências e impactos causados pelo aquecimento global. “Em uma situação de seca intensa, centenas de milhares de pessoas migram simplesmente porque não têm base econômica. Não há agua para beber e para produção agrícola, tampouco para a criação de animais, seja bovino, caprino, ovino ou aviário”, acrescenta.
Outras regiões vulneráveis são ilhas da Oceania como Tuvalu, Kiribati e Maldivas, além de praias de Bangladesh e vilas do Alasca. No Brasil, a área mais sensível é o semiárido nordestino, que poderia se transformar em uma região de clima árido e, assim, ocasionar uma grande migração para outras regiões.
Para Aquino, é necessário que seja criada uma política de planejamento para esse tipo de deslocamento populacional, começando pelo reconhecimento, por parte da ONU, da categoria de migrantes ambientais. “Sem um status legal, essas pessoas não estão protegidas por nenhuma lei internacional específica.” Assim, segundo Aquino, o termo “refugiados” é mal empregado, pois a palavra é usada pelo direito internacional para designar pessoas que saíram de seu país por perseguições sociais ou políticas.
Quem sofre mais
Apesar de haver regiões mais expostas do que outras, as vítimas do aquecimento global não serão apenas as desprivilegiadas geograficamente, mas também financeiramente. “Tanto o rico quanto o pobre são vulneráveis, mas de modo global o segundo acaba sendo excluído. Por isso, é necessário o desenvolvimento de conhecimento para as sociedades mais pobres, que vão precisar desse know-how”, pontua o professor Francisco Aquino.
Carlos Nobre ratifica a posição de Aquino, afirmando que é preciso haver mecanismos de proteção, e cita o caso nordestino. “Depois de uma série de políticas governamentais, hoje o número de retirantes do nordeste é muito pequeno comparado ao que foi até os anos 1980. Mas países como Mianmar, Bangladesh e parte da Índia precisam de assistência internacional, pois têm contingentes populacionais grandes em áreas vulneráveis”, diz.
Rubens Born, pesquisador associado da Fundação Grupo Esquel Brasil e conselheiro do Fundo Casa de Apoio Socioambiental, culpa tanto os países industrializados, que se recusaram a cumprir o Protocolo de Kyoto, quanto os países em desenvolvimento, como o Brasil, que retardaram o cumprimento das obrigações previstas na Rio-92. “Termoelétricas, pré-sal, ampliação da produção e venda e uso de automóveis particulares no Brasil geram refugiados e impactos de mudanças de clima em qualquer parte do mundo, pois os gases emitidos vão para a atmosfera global, que não conhece fronteiras políticas”, opina.
Para Francisco Aquino, os gestores públicos deveriam se envolver mais com o problema. Mesmo assim, acredita que o Brasil esteja atento à questão. “O cenário, segundo o nosso conhecimento, só vai piorar. Mas o País já tem uma agenda dedicada às mudanças do clima no Ensino Fundamental e Médio e na redução do desmatamento.”
Exagero?
Apesar de ser um assunto cada vez mais em pauta nos dias atuais, o aumento na temperatura média do planeta - e consequentemente do nível do mar - não é unanimidade. Ricardo Augusto Felicio, doutor em Climatologia e professor da Universidade de São Paulo (USP), é um dos pesquisadores que contrariam a teoria do aquecimento global.
Para ele, as mudanças climáticas em certas regiões são sazonais e sempre aconteceram. Os refugiados do clima, portanto, não são novidade. “É o caso das diversas tribos de nômades que se localizam no Sahel, por exemplo. É uma faixa de transição onde os processos de desertificação e antidesertificação ocorrem naturalmente e nada têm a ver com esses conceitos de mudanças climáticas e aquecimento global. Por um certo período, os regimes de chuvas ficam mais fracos durante anos e depois voltam a vigorar, também por outros tantos anos”, explica.
Algo parecido, segundo o pesquisador, ocorre em algumas regiões litorâneas. “Em diversos lugares do mundo, algumas praias estão se formando e outras desaparecendo, e isso não tem nada a ver com o nível médio do mar, pois seria um tanto esquisito que os oceanos só subissem em um lugar, e não em outros”, diz Felicio, citando também as corredeiras planetárias realizadas pela composição com a órbita da Lua, que podem fazer as marés, dentro de um ciclo lunar, percorrerem mais de mil quilômetros em um único dia.