sexta-feira, 7 de julho de 2023

Mercado Livre: Brasil “na contramão do mundo”

NEGÓCIOS 

Foto:Reprodução Estadão

Nos últimos dias, executivos e acionistas do varejo de vestuário têm focado 100% de seu tempo numa ameaça existencial comum: a isenção do imposto de importação nas compras internacionais de até US$ 50, que beneficia a Shein e prejudica concorrentes como a Lojas Renner, Riachuelo, Marisa e C&A, que jogam pelas regras locais. O Mercado Livre também está incrédulo. Numa conversa com o Brazil Journal, Fernando Yunes, o country manager da empresa no País, disse que a gigante do ecommerce recebeu com surpresa a notícia da isenção, já que o Governo vinha sinalizando que faria o contrário. “O Brasil está indo na contramão do mundo,” disse o executivo. “A Índia proibiu essas empresas chinesas de venderem lá. Nos Estados Unidos, esse tema está no departamento antitruste e estão processando e vai ter consequência. Na Europa, também estão criando barreiras pelas práticas que muitas dessas empresas têm.”

Yunes disse que espera que a medida seja revertida o quanto antes. “Privilegiar essas empresas estrangeiras versus os vendedores e fabricantes locais? Eu não consigo acreditar que isso vai ser feito de forma estrutural,” disse ele. “Acho que foi uma maneira de lançar o Remessa Conforme, e em paralelo agora eles devem estar definindo qual vai ser o imposto de importação para ser colocado o quanto antes.”


 Abaixo, os principais trechos da conversa. Qual a visão de vocês em relação a essa portaria publicada pelo Governo que isentou as vendas internacionais de até US$ 50 do imposto de importação? São dois pontos principais. O primeiro é que o projeto Remessa Conforme, a gente achou um projeto muito bom. Ele foi bem desenhado e é bem interessante na forma como foi organizado, porque vai permitir organizar as importações para o Brasil e ter mais informações e controle sobre o que está acontecendo. A lógica dele de “canal verde” e “canal vermelho” também faz todo sentido para conseguir ter controle das informações.


A lógica faz sentido, mas um ponto que o Mercado Livre discorda foi a redução do imposto de importação. Imaginávamos que ia ser lançado o Remessa Conforme e que ele manteria os impostos anteriores, e teria a criação do ICMS – tanto acima quanto abaixo de US$ 50 para as pessoas jurídicas vendendo para pessoas físicas. Reduzir de 60% para zero o imposto de importação abaixo de US$ 50, que é praticamente a totalidade das importações, não faz sentido. Vi um dado que 98% das importações de remessas são abaixo de US$ 50. Tem que ter uma isonomia de impostos entre os players locais e os internacionais. Essa redução do imposto é um ponto com o qual não concordamos e que foi uma surpresa. Achamos que isso tem que ser transitório e que o imposto de importação deveria voltar rapidamente. Ou para os 60% ou para um patamar que somado ao ICMS chegue nos 60%. Isso faria com que o imposto ficasse entre 60% e 77%. Isso gera uma concorrência desleal? O fato de não estar havendo isonomia no tratamento entre os varejistas brasileiros e esses players internacionais? Não sei se a palavra é desleal, mas certamente desequilibra a concorrência. Os players nacionais acabam pagando muito mais imposto que os players internacionais, e o que vemos em outros países é o contrário. A Índia proibiu essas empresas chinesas de venderem lá. Nos Estados Unidos, esse tema está no departamento antitruste: estão processando e vai ter consequência. Na Europa, também estão criando barreiras pelas práticas que muitas dessas empresas têm. E no Brasil a gente abaixa o imposto de 60% para zero? Estamos indo na contramão do mundo. O mundo está criando barreiras contra essas empresas, pelas práticas delas, e o Brasil está fazendo o contrário. Por isso, achamos que isso é transitório. Não dá para acreditar que isso vai ser algo definitivo. Muita gente estranhou a portaria porque o próprio Governo vinha sinalizando que faria exatamente o oposto. Como vocês enxergam essa mudança radical de postura? Exatamente. Se formos olhar um mês atrás, o discurso era outro. O que acontece? Chegam no Brasil de 600 mil a 700 mil pacotes por dia. Não existe mão de obra, infraestrutura, para conseguir checar esses produtos. E esses produtos acabam entrando como se fosse pessoa física vendendo para pessoa física, ou como se fossem compras fracionadas para ficar em valores muito baixos. Na nossa Aduana, nos nossos órgãos de fiscalização, não conseguimos fiscalizar esses produtos todos. Então acaba entrando, e os clientes não pagam imposto pela importação. O que vimos é que a importação que é realmente pessoa física vendendo para pessoa física, é cerca de 1,2%. É praticamente nada. Então a primeira decisão do Governo foi: ‘já que é 1,2%, vamos fazer o seguinte, não existe mais isenção para pessoa física abaixo de US$ 50. Vamos acabar com isso, e agora toda importação abaixo de US$ 50 vai pagar imposto.’ Com isso, se teria a certeza da cobrança do imposto. Mas aí teve repercussão negativa nas mídias sociais e o Governo voltou atrás e falou: ‘deixa eu pensar numa nova forma de criar o modelo’. Mas mesmo nesse momento ele estava indo numa linha de endurecer e cobrar de uma forma que cobriria todo mundo. Na sexta passada a gente achava que o ‘Remessa Conforme’ ia manter pessoa física para pessoa física sem pagar o imposto e a pessoa jurídica teria duas opções. A empresa que quiser aderir ao ‘Remessa Conforme’ cobraria o imposto direto da venda. A pessoa física veria o preço do produto, frete e imposto, e pagaria tudo, e aí a empresa recolheria e repassaria à Receita. E aí quando chega no Brasil ela poderia passar no canal verde de importação, que tem uma liberação mais rápida. Já quem não aderisse ao ‘Remessa Conforme’ ficaria no canal vermelho, e os produtos demorariam um tempo maior para ser liberados, e teriam fiscalização. Com isso, as empresas decidiriam se continuariam atuando como antes, e aí poderiam ter consequências se o Governo conseguisse fiscalizar e autuar, ou se elas iam arrecadar os impostos e fazer da forma certa. Mas os impostos seguiriam iguais! Seria apenas uma forma de aplicar a lei, e não uma contrapartida para um imposto zero.

Fonte:Brazil Journal

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