sexta-feira, 15 de maio de 2020

A PANDEMIA COMO BRECHA PARA A CORRUPÇÃO NO BRASIL

CORONAVÍRUS
Com a dispensa de licitação autorizada pelo decreto de calamidade, multiplicam-se as suspeitas de desvios de dinheiro público em estados e municípios
O governador do Pará, Helder Barbalho, faz vistoria em caixas de respiradores que chegaram da China. Os equipamentos foram comprados, mas não são recomendados para pacientes de Covid-19. Foto: Marco Nascimento / Agência Pará
O governador do Pará, Helder Barbalho, faz vistoria em caixas de respiradores que chegaram da China. Os equipamentos foram comprados, mas não são recomendados para pacientes de Covid-19. Foto: Marco Nascimento / Agência Pará
Lagoa de Dentro, município com pouco mais de 7 mil habitantes no interior da Paraíba, concluiu no dia 22 de abril uma de suas principais compras na área da Saúde em 2020. Em plena pandemia do novo coronavírus, a prefeitura desembolsou R$ 15 mil — em recursos do Fundo Nacional de Saúde — para comprar e imprimir cartilhas informativas sobre prevenção à Covid-19, apesar de o Ministério da Saúde disponibilizar gratuitamente livretos sobre o assunto. O empresário Jandeilson Araújo Leite, dono da gráfica que celebrou o contrato com o município, recebeu a visita de uma equipe da Polícia Federal no dia seguinte. O motivo: no dia 1º de abril, ele havia firmado um contrato semelhante com a prefeitura de Aroeiras, município de 18 mil habitantes que comprou a impressão de nada menos do que 7 mil exemplares da mesma cartilha, chamada Coronavírus — O combate começa com a informação, a um custo total de R$ 279 mil. A gráfica de Leite era fantasma. As cartilhas não foram encontradas. Até o momento, o contrato com Aroeiras foi rompido, e a prefeitura foi alvo de busca e apreensão. A prefeitura de Lagoa de Dentro tampouco explicou por que optou por comprar a R$ 40 a unidade cada cartilha se podia usar as gratuitas oferecidas pelo Ministério da Saúde.
O caso dos dois pequenos municípios expõe a vulnerabilidade do Erário diante das más intenções de gestores públicos num período em que o fluxo de dinheiro aumenta e os gastos têm de ser elevados em razão da pandemia. São mais de 5 mil cidades habilitadas a gastar, e os mecanismos de controle nem sempre são eficientes. Nos estados, os problemas se repetem. No Rio de Janeiro, em Santa Catarina e no Pará, já houve busca e apreensão, bloqueio de bens e até prisões por causa de contratações suspeitas feitas por governos estaduais. Em São Paulo, foi instaurado um inquérito para investigar compras de mais de R$ 500 milhões feitas pelo governo estadual. O decreto de calamidade, editado em razão do novo coronavírus, dispensa muitas administrações de fazerem os procedimentos comuns de licitação. O mecanismo, criado para desburocratizar a máquina num cenário de emergência, nem sempre é usado de boa-fé.
Monitores multiparâmetros que chegaram da China para equipar o Hospital de Campanha do Riocentro, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Foto: Fabio Motta / Agência O Globo
Monitores multiparâmetros que chegaram da China para equipar o Hospital de Campanha do Riocentro, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Foto: Fabio Motta / Agência O Globo
O site de ÉPOCA mostrou, na última semana, que o governo de Helder Barbalho (MDB), no Pará, havia instalado respiradores que não funcionavam direito em hospitais do estado, comprados sem licitação. A importadora SKN do Brasil entregou 152 aparelhos de modelos diferentes daqueles pedidos em contrato — e que não eram indicados para tratar pacientes da Covid-19. O estado chegou a classificar como “mentirosas” as alegações contidas na reportagem, mas mudou a postura depois que o Ministério Público (MP) visitou as unidades para apurar as denúncias. No domingo, em regime de plantão judiciário, o governo do Pará pediu o bloqueio de R$ 25 milhões em bens de sócios e pessoas ligadas à empresa, alegando que as irregularidades não estavam em sua gestão, e sim na empresa fornecedora. O caso agora está sendo investigado pelo MP.A mesma empresa também está envolvida em problemas no Rio. A SKN foi responsável pela importação de respiradores encomendados pela MHS Produtos e Serviços, que tinha um contrato de R$ 56 milhões para fornecer 300 aparelhos ao governo do estado, mas sinalizou que não entregaria os modelos prometidos. Glauco Octaviano Guerra, responsável pela MHS, foi preso na última quinta-feira em Belém. Segundo o colunista do jornal O GLOBO Lauro Jardim, Guerra estava em companhia de André Felipe de Oliveira da Silva, um dos sócios da SKN do Brasil, no momento da prisão. Na quarta-feira 13, Silva também foi preso pela Polícia Federal, em Brasília.
“O DECRETO DE CALAMIDADE, EDITADO EM RAZÃO DO NOVO CORONAVÍRUS, DISPENSA MUITAS ADMINISTRAÇÕES DE FAZEREM OS PROCEDIMENTOS COMUNS DE LICITAÇÃO. O MECANISMO, CRIADO PARA DESBUROCRATIZAR A MÁQUINA NUM CENÁRIO DE EMERGÊNCIA, NEM SEMPRE É USADO DE BOA-FÉ”
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Além do caso da MHS, dois subsecretários da área de compras do governo de Wilson Witzel, no Rio, foram exonerados e presos por suspeitas de irregularidades nas últimas semanas, na Operação Mercadores do Caos, da Polícia Federal. São Gabriell Neves e Gustavo Borges da Silva. Somando todas as compras de respiradores, 1.000 unidades que custaram R$ 183,5 milhões ao estado estão sob suspeita. Não só o atraso na entrega suscitou desconfiança, mas a polícia investiga também o valor de cada unidade: R$ 187.500, o preço cobrado pela MHS, é o dobro do praticado por fabricantes de respiradores. Além da MHS, as fornecedoras do aparelho A2A e ARC Fontoura também são investigadas e os representantes foram presos.
FONTE: ÉPOCA/Bernardo Mello e Marco Grillo

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