MUNDO

Jeanine Añez, presidente interina da Bolívia, durante evento em La Paz - Andrea Martinez - 28.jan.2020/Reuters
Os 14 anos de governo de Evo Morales (2006-2019) na Bolívia não foram fáceis para o jornalismo independente. Ainda que o movimento tenha sido mais sutil do que na Venezuela ou no Equador —onde jornais foram comprados, e concessões de TVs foram abertamente expropriadas durante as gestões de Hugo Chávez e Rafael Correa—, outras estratégias de intimidação eram usadas. Algumas delas são reveladas pelo jornalista e acadêmico Fernando Molina, em seu livro “La Relación entre Evo Morales y Los Medios de Comunicación” (A relação entre Evo Morales e os meios de comunicação): pressão sobre anunciantes para que não publicassem propaganda em meios críticos a Evo, ameaças de funcionários do governo a donos e editores de jornais e estrito controle das contas e dos impostos de cada meio, por exemplo.
Com o tempo, a mídia independente acabou migrando para a internet, enquanto os grandes meios cediam ao alinhamento com o governo.Neste cenário, o único jornal que se arriscava a publicar algumas visões críticas a Evo Morales era o Página Siete, não sem sofrer com falta de recursos e ameaças.Seu editor nos primeiros anos foi Raúl Peñaranda, um dos mais respeitados jornalistas bolivianos, ganhador do prêmio María Moors Cabot. Nem ele aguentou a pressão: Peñaranda saiu do veículo e hoje mantém um site chamado La Brújula Digital.
Com a saída de Evo do poder, após renunciar sob pressão das Forças Armadas no dia 10 de novembro, parecia que a liberdade de expressão voltaria a ter espaço. Não foi o caso, desde o princípio.Durante o período de militarização das grandes cidades e de repressão mais dura aos manifestantes pró-Evo, alguns repórteres estrangeiros foram deportados, como os integrantes das equipes jornalísticas dos canais argentinos Todo Notícias (que pertence ao Clarín) e América TV. A isso seguiu-se um alinhamento da imprensa local. O Página Siete dos últimos tempos está irreconhecível. De um jornal com forte investimento em investigação e em crítica, transformou-se em um panfleto governista, alinhado à presidente interina Jeanine Añez. Para Molina, “hoje o jornal apoia o governo de Añez a ponto de justificar a repressão que ela executou, utiliza uma linguagem específica para tratar os que são contra seu governo de terroristas e assim por diante”.
Ele dá alguns exemplos: quando houve um massacre em Sacaba, perto de Cochabamba, em que o Exército reprimiu uma manifestação de defensores do ex-presidente, com nove civis mortos e nenhuma vítima do lado dos oficiais, o jornal assim noticiou: “Fogo cruzado entre cocaleiros e as Forças Armadas deixa ao menos seis mortos”. Perícia e investigações realizadas posteriormente confirmaram que os manifestantes eram camponeses e que nenhum estava armado. O jornal não retificou a notícia.O mesmo Página Siete está se desfazendo de alguns colunistas críticos a Áñez, entre elas a ativista feminista María Galindo.“Estou há dez anos no jornal e entrei porque era uma voz dissonante à de Evo, a quem sempre fui crítica.Quando escrevi uma coluna dizendo que Áñez, ao se candidatar, estava descumprindo suas promessas ao assumir o cargo, se recusaram a publicar e me demitiram”, contou à Folha.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Jeanine Añez, presidente interina da Bolívia, durante evento em La Paz - Andrea Martinez - 28.jan.2020/Reuters
Os 14 anos de governo de Evo Morales (2006-2019) na Bolívia não foram fáceis para o jornalismo independente. Ainda que o movimento tenha sido mais sutil do que na Venezuela ou no Equador —onde jornais foram comprados, e concessões de TVs foram abertamente expropriadas durante as gestões de Hugo Chávez e Rafael Correa—, outras estratégias de intimidação eram usadas. Algumas delas são reveladas pelo jornalista e acadêmico Fernando Molina, em seu livro “La Relación entre Evo Morales y Los Medios de Comunicación” (A relação entre Evo Morales e os meios de comunicação): pressão sobre anunciantes para que não publicassem propaganda em meios críticos a Evo, ameaças de funcionários do governo a donos e editores de jornais e estrito controle das contas e dos impostos de cada meio, por exemplo.
Com o tempo, a mídia independente acabou migrando para a internet, enquanto os grandes meios cediam ao alinhamento com o governo.Neste cenário, o único jornal que se arriscava a publicar algumas visões críticas a Evo Morales era o Página Siete, não sem sofrer com falta de recursos e ameaças.Seu editor nos primeiros anos foi Raúl Peñaranda, um dos mais respeitados jornalistas bolivianos, ganhador do prêmio María Moors Cabot. Nem ele aguentou a pressão: Peñaranda saiu do veículo e hoje mantém um site chamado La Brújula Digital.
Com a saída de Evo do poder, após renunciar sob pressão das Forças Armadas no dia 10 de novembro, parecia que a liberdade de expressão voltaria a ter espaço. Não foi o caso, desde o princípio.Durante o período de militarização das grandes cidades e de repressão mais dura aos manifestantes pró-Evo, alguns repórteres estrangeiros foram deportados, como os integrantes das equipes jornalísticas dos canais argentinos Todo Notícias (que pertence ao Clarín) e América TV. A isso seguiu-se um alinhamento da imprensa local. O Página Siete dos últimos tempos está irreconhecível. De um jornal com forte investimento em investigação e em crítica, transformou-se em um panfleto governista, alinhado à presidente interina Jeanine Añez. Para Molina, “hoje o jornal apoia o governo de Añez a ponto de justificar a repressão que ela executou, utiliza uma linguagem específica para tratar os que são contra seu governo de terroristas e assim por diante”.
Ele dá alguns exemplos: quando houve um massacre em Sacaba, perto de Cochabamba, em que o Exército reprimiu uma manifestação de defensores do ex-presidente, com nove civis mortos e nenhuma vítima do lado dos oficiais, o jornal assim noticiou: “Fogo cruzado entre cocaleiros e as Forças Armadas deixa ao menos seis mortos”. Perícia e investigações realizadas posteriormente confirmaram que os manifestantes eram camponeses e que nenhum estava armado. O jornal não retificou a notícia.O mesmo Página Siete está se desfazendo de alguns colunistas críticos a Áñez, entre elas a ativista feminista María Galindo.“Estou há dez anos no jornal e entrei porque era uma voz dissonante à de Evo, a quem sempre fui crítica.Quando escrevi uma coluna dizendo que Áñez, ao se candidatar, estava descumprindo suas promessas ao assumir o cargo, se recusaram a publicar e me demitiram”, contou à Folha.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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