Arquidiocese de Porto Alegre cria comissão para apurar denúncias de abuso sexual
Casos suspeitos terão que ser investigados em 90 dias e não serão protegidos por sigilo
Arcebispo metropolitano Dom Jaime Spengler ao lado do padre Fabiano ColaresFélix Zucco / Agencia RBS
A tradicional data de lançamento da Campanha da Fraternidade tem para o Rio Grande do Sul um significado diferente este ano. Nesta Quarta-Feira de Cinzas (26), a Arquidiocese de Porto Alegre se tornou a primeira a instalar oficialmente no Brasil uma comissão para prevenir e apurar com rigor denúncias de abuso sexual na Igreja. Existem outras criadas, mas sem o caráter multidisciplinar que tem o grupo instalado na Capital.
Com isto, casos suspeitos terão que ser apurados em 90 dias e deixam de ser protegidos por sigilo. Qualquer cidadão poderá ter informações sobre denúncias sob investigação. Em situações de assédio, o envolvido fica proibido de atuar com crianças e adolescentes. Se for estupro ou uso de imagens pornográficas, o religioso terá como punição a perda do sacramento
A instalação da comissão foi anunciada nesta tarde em evento na sede gaúcha da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), durante o lançamento da campanha que em 2020 tem o tema "Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso". A ação, que tem como lema a frase "Viu, sentiu compaixão e cuidou dele", tem foco no compromisso da Igreja com a defesa, proteção, cuidado e resgate da vida.
A Campanha da Fraternidade é realizada anualmente pela Igreja Católica no Brasil sempre no período da quaresma. A cada ano, é escolhido um tema para despertar a
solidariedade dos fiéis em relação a um problema concreto.
O presidente da CNBB no Estado e bispo de Caxias do Sul, dom José Gislon, explicou que a campanha visa a mobilizar a sociedade a voltar os olhos para quem vive em estado de abandono.
— A sociedade parece indiferente diante de um quadro de tantas dificuldades e assim se torna mais violenta. É preciso olhar a realidade do outro com os olhos do coração _ disse Dom Gislon.
Dom José Gislon (E), Dom Jaime Spengler (C) e o padre Fabiano Colares (D) em coletiva de lançamento da CampanhaFélix Zucco / Agencia RBS E neste cenário de proteção também se encaixa a preservação de crianças, de adolescentes e de pessoas vulneráveis que sofreram ou que poderiam se tornar vítimas de abusos sexuais. Depois da solenidade na CNBB, o arcebispo metropolitano, dom Jaime Spengler, assinou em evento na Cúria Metropolitana um decreto canônico criando a Comissão Arquidiocesana Especial de Tutela de Criança, Adolescente e Pessoa Vulnerável.
O grupo, que é coordenado pelo padre Fabiano Schwanck Colares, da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, nasce com o desafio de dar transparência a um assunto que constrange a Igreja há anos e que deixou para trás no mundo centenas de vítimas sem voz. A determinação para a criação de comissões foi do papa Francisco.
— Muito conveniente lançar a comissão quando hoje lançamos a campanha que tem como tema a promoção e o cuidado da vida. Porque às vezes há certa tendência de achar que só falamos para fora e aqui há um viés de olhar para nós internamente, mas sem nos fecharmos em nós mesmos. O trabalho da comissão e da campanha quer ser
um trabalho em favor da vida de todos — destacou Dom Jaime.
A diocese de Novo Hamburgo também instalou sua comissão durante missa no final da tarde desta quarta-feira (26).
Objetivos da Campanha da Fraternidade 2020
Apresentar o sentido de vida proposto por Jesus nos Evangelhos;
Propor a compaixão, a ternura e o cuidado como exigências fundamentais da vida para relações sociais mais humanas;
Fortalecer a cultura do encontro, da fraternidade e a revolução do cuidado como caminhos de superação da indiferença e da violência;
Promover e defender a vida, desde a fecundação até o seu fim natural, rumo à plenitude;
Despertar as famílias para a beleza do amor que gera continuamente vida nova;
Preparar os cristãos e as comunidades para anunciar, com o testemunho e as ações de mútuo cuidado, a vida plena do Reino de Deus;
Criar espaços nas comunidades para que, pelo batismo, pela crisma e pela eucaristia, todos percebam, na fraternidade, a vida como Dom e Compromisso;
Despertar os jovens para o dom e a beleza da vida, motivando-lhes o engajamento em ações de cuidado mútuo, especialmente de outros jovens em situação de sofrimento e desesperança;
Valorizar, divulgar e fortalecer as inúmeras iniciativas já existentes em favor da vida;
Cuidar do planeta, nossa Casa Comum, comprometendo-se com a ecologia integral.
Integrantes da comissão, da esquerda para a direita: Fabiano Colares, Berenice Rheinheimer, Marys Rezende e Jaime SpenglerFélix Zucco / Agencia RBS
A Comissão Arquidiocesana Especial de Tutela de Criança, Adolescente e Pessoa Vulnerável é composta por um padre, uma delegada da Polícia Federal (PF), uma procuradora de Justiça e por psicopedagogas, psicólogas, psiquiatras, uma assistente social e um jurista.
O grupo terá como área de atuação as mais de de 160 paróquias que formam a Arquidiocese de Porto Alegre. São 29 municípios, incluindo a Capital, com cerca de 200 padres e 130 outros religiosos (subordinados a congregações).
A criação da comissão é a resposta ao documento Vos Estis Lux Mundi (Vós sois a luz do mundo), carta do papa Francisco lançada em maio. O texto expressa a determinação da comunidade de fé em colaborar no combate ao abuso de poder, consciência e sexual.
Entre as determinações do Papa, está o fim do sigilo. Qualquer cidadão poderá ter informações sobre situações
suspeitas que estejam sob investigação. Casos que chegarem ao conhecimento da Igreja serão compartilhados com o Ministério Público (MP) e as polícias. E, em no máximo 30 dias, a situação tem de ser informada à Congregação para Doutrina da Fé, em Roma.
A Igreja fará um procedimento administrativo de apuração que é mais rápido do que o processo canônico. O prazo para conclusão é de 90 dias.
Durante a investigação, o padre sob suspeita será proibido de atuar, sendo afastado do convívio social. O MP tem de ser informado sobre o local em que ele está — a medida coloca fim à sistemática da Igreja de transferir padres suspeitos para atuar em outras comunidades onde, simplesmente, os abusos poderiam se repetir.
A conclusão será julgada pela comissão e ratificada pela Congregação para a Doutrina da Fé no Vaticano. As atas são enviadas ao Papa e ele emite a sentença. Se for provado caso de assédio, o padre fica proibido de trabalhar com crianças e adolescentes. Se for situação de abuso sexual (em qualquer das suas modalidades) ou de uso de imagens pornográficas, o religioso será "demitido", ou seja, perderá o sacramento.
A Igreja também se compromete com ato de reparação: pagará para a vítima tratamento psicológico, psiquiátrico e espiritual.
Integrantes da comissão
Dom Jaime Spengler (arcebispo metropolitano)
Padre Fabiano Schwanck Colares (coordenador)
Padre Carlos José Monteiro Steffen (presidente)
Irmã Maria Denise Mendes Ternes (secretária, psicóloga)
Dra. Maria Regina Fay de Azambuja (procuradora de justiça)
Daniela Moraes Bertoldo (delegada da Polícia Federal)
Marys Eliane Rezende (advogada e assistente social)
Berenice Rheinheimer (médica psiquatra infantil)
Shana Luft Hartz (departamento de vulneráveis da Polícia Civil)
Ana Cristina Marson (psicopedagoga e orientadora educacional)
Como denunciar
E-mail: tutela@arquipoa.com
Telefone: 99733-4957 (ligações ou mensagens de WhatsApp). Funciona entre 7h e 19h.
Não serão aceitas denúncias anônimas, mas o nome do denunciante será preservado. Depois do primeiro contato, a pessoa que fez a denúncia será chamada para entrevista com assistente social
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