domingo, 17 de setembro de 2017

TECNOLOGIA

Tecnologia, indígenas e um paradoxo no Brasil

Um povo indígena foi morto para que possamos extrair ouro para os nossos anéis e madeira para as carvoarias com trabalho análogo ao escravo

GAZETA DO POVO

 | Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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Aproximemos as imagens quadro a quadro e procuremos ver, escutar, aprender, sentir, sorrir e chorar. Conseguimos? Não? Avancemos mais um pouco e olhemos atentamente. E agora? Ainda não? É compreensível, pois são muitos dados e pouco tempo para processar tudo que foi recebido. Os nossos filtros não conseguem dimensionar e mensurar a importância das informações e nos tornamos apáticos diante de fatos inaceitáveis.
Cometemos um genocídio contra crianças, mulheres e homens
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Exemplo disso foram as cenas relacionadas ao massacre dos indígenas, que recebeu menos destaque do que as notícias do futebol no fim de semana. Caso o leitor ainda não tenha percebido, exterminamos um povo isolado que vivia na Amazônia e que nunca havia tido contato com os brancos. Esse povo indígena foi morto para que possamos extrair ouro para os nossos anéis e madeira para as carvoarias com trabalho análogo ao escravo. Vamos reconstituir essas imagens – hoje quase tudo é possível tecnologicamente – e ver o índio, escutar o som do facão cortando suas mãos, aprender a matar, sentir desprezo, sorrir com o extermínio e chorar pelo vazio. O progresso exige, o desenvolvimento cobra, a modernidade comemora e a vida vai embora. Estamos no século 21!
As imagens sempre desfocadas sobre os indígenas precisam ser reenquadradas para que possamos perceber que cometemos um genocídio contra crianças, mulheres e homens. Cometemos um genocídio contra um povo. Cometemos um genocídio contra a humanidade. Somos um país formado por desterrados. A composição inicial do Brasil, como apontou Darcy Ribeiro, resulta do desenraizamento dos indígenas autóctones, dos negros africanos e dos colonos europeus. Todos, sob uma falsa ideia de identidade nacional, estão em permanente conflito físico e psíquico. Todos estão numa batalha permanente ao longo dos séculos, na qual nunca haverá um vencedor. Olhemos os 60 mil executados no país em 2017. Matar não foi e nunca será a solução. Observamos apenas chacinas, miséria e uros altos espalhados pelas cidades.

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