Tecnologia, indígenas e um paradoxo no Brasil
Um povo indígena foi morto para que possamos
extrair ouro para os nossos anéis e madeira para as carvoarias com
trabalho análogo ao escravo
GAZETA DO POVO
Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Temos acesso aos principais bens e serviços que a revolução
tecnológica produziu no século 21. Ao alcance das mãos, o smartphone
conectado à internet nos permite falar e ouvir, ver as horas e o clima,
jogar on-line e ler notícias, conhecer novos contatos e marcar
encontros, tirar
selfies e gravar vídeos. Estamos conectados aos
cenários e às tendências mundiais em tempo real. Recebemos muitas
informações e um clique permite eternizar todos os momentos que
desejamos.
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Olhemos todas as imagens que recebemos nas últimas semanas no celular
e procuremos visualizar todas elas como um filme exibido na internet.
Essa infinidade de comunicações passa por furacão, Temer, política,
Moro, Lava Jato, Trump, maluco, Venezuela, Joesley, delação, Beto Richa,
Quadro Negro, Gilmar Mendes, vergonha, Neymar, fisco, Corinthians,
corrupção, Brasileirão, Lula, processo, Uruguai, maconha, Maduro,
petróleo, Janot, cerveja no bar, Putin, vermelho, Rio, vergonha, Kim
Jong-un, míssil, Queer, expressão, MBL, ódio, indígena, massacre, Aécio,
primo, Brasil, tarja-preta, Bolsonaro, intolerância, Geddel e malas com
milhões de reais.
Aproximemos as imagens quadro a quadro e procuremos ver, escutar,
aprender, sentir, sorrir e chorar. Conseguimos? Não? Avancemos mais um
pouco e olhemos atentamente. E agora? Ainda não? É compreensível, pois
são muitos dados e pouco tempo para processar tudo que foi recebido. Os
nossos filtros não conseguem dimensionar e mensurar a importância das
informações e nos tornamos apáticos diante de fatos inaceitáveis.
Cometemos um genocídio contra crianças, mulheres e homens
Exemplo
disso foram as cenas relacionadas ao massacre dos indígenas, que
recebeu menos destaque do que as notícias do futebol no fim de semana.
Caso o leitor ainda não tenha percebido, exterminamos um povo isolado
que vivia na Amazônia e que nunca havia tido contato com os brancos.
Esse povo indígena foi morto para que possamos extrair ouro para os
nossos anéis e madeira para as carvoarias com trabalho análogo ao
escravo. Vamos reconstituir essas imagens – hoje quase tudo é possível
tecnologicamente – e ver o índio, escutar o som do facão cortando suas
mãos, aprender a matar, sentir desprezo, sorrir com o extermínio e
chorar pelo vazio. O progresso exige, o desenvolvimento cobra, a
modernidade comemora e a vida vai embora. Estamos no século 21!
As imagens sempre desfocadas sobre os indígenas precisam ser
reenquadradas para que possamos perceber que cometemos um genocídio
contra crianças, mulheres e homens. Cometemos um genocídio contra um
povo. Cometemos um genocídio contra a humanidade. Somos um país formado
por desterrados. A composição inicial do Brasil, como apontou Darcy
Ribeiro, resulta do desenraizamento dos indígenas autóctones, dos negros
africanos e dos colonos europeus. Todos, sob uma falsa ideia de
identidade nacional, estão em permanente conflito físico e psíquico.
Todos estão numa batalha permanente ao longo dos séculos, na qual nunca
haverá um vencedor. Olhemos os 60 mil executados no país em 2017. Matar
não foi e nunca será a solução. Observamos apenas chacinas, miséria e uros altos espalhados pelas cidades.
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