domingo, 3 de setembro de 2017

LAVA JATO

'Nunca quis ser igual ao Moro, não 

sou', diz Bretas


Marcelo Bretas
Juiz Marcelo Bretas em sua sala de audiência na 7ª Vara do Rio  Foto: Wilton Junior/Estadão


O juiz federal Marcelo da Costa Bretas, responsável pelos processos da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, disse ao Estado, durante entrevista em seu gabinete, que “a corrupção está na raiz dos mais graves problemas do Brasil”, e que por isso a Lava Jato representa um momento especial. “A Justiça deve à sociedade esse combate à corrupção, que é o serviço de esclarecer, e, se confirmado, punir e recuperar”. Definindo o trabalho que faz, disse: “O combate à corrupção faz os meus olhos brilharem”. 

O juiz deu entrevistas ao Estado na semana em que entrou na mira do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Mendes o atacou, em 18 de agosto, por ter mandado prender novamente dois empresários amigos que mandara soltar, na véspera. “Isso é atípico. E em geral o rabo não abana o cachorro, é o cachorro que abana o rabo", disse o ministro, sugerindo subserviências. “Não vou comentar, para evitar confronto e polêmica, mas confesso que me atingiu um pouco, por conta da minha formação religiosa evangélica”, disse Bretas no meio da tarde da sexta-feira, dia 25, na última de quatro entrevistas que concedeu ao Estado em intervalos das audiências ao longo de dez dias úteis.

CHATEADO 

Pegou então o celular, e trouxe à tela, em segundos, o Deuteronômio, um dos livros da Bíblia, no capítulo 28, versículo 13, que leu com emoção: “E o Senhor te porá por cabeça, e não por cauda; e só estarás em cima, e não debaixo, se obedeceres aos mandamentos do Senhor teu Deus que hoje te ordeno, para os guardar e cumprir”.“Foi a lembrança que me veio à cabeça naqueles momentos”, disse o juiz, evangélico desde sempre. 

Frisou, na citação, a palavra "cauda", sinônimo digamos mais elevado do termo usado por Mendes: "E o Senhor te porá por cabeça, e não por cauda”, repetiu, repelindo a metáfora canina. A Bíblia, que diz já ter lido inteira, é um hábito diário, ao acordar e ao recolher-se, ultimamente facilitado pelo aplicativo no celular. Tem Bíblia em sentença, na dissertação de mestrado, em conversa fiada e em conversa séria.A quizila com o juiz do Supremo chateou Bretas. No domingo, dia 20, que começou com uma ida matinal, com a família, à igreja evangélica que frequentam, no Flamengo, terminou com uma crise de hipertensão, com a pressão a 18 por 13, e remédios a tempo e à hora. A causa foi “esse Mendes”, pelo menos para o diagnóstico de todos os Bretas.

 "Não sou do tipo que sai do trabalho e desliga”, disse o juiz para explicar o estresse. Mas nada que o abata, longe disso. Já na semana seguinte mandou prender de novo um outro empresário solto por Mendes.“No Judiciário cada qual tem a sua individualidade funcional”, disse o juiz. “Eu sou livre para decidir. Não sou melhor do que ninguém, mas ninguém é melhor do que eu. A sociedade tem o direito de exigir independência funcional e imparcialidade. Sem isso, a decisão de um juiz não tem valor”. 


DESAGRAVO- Na véspera – quinta-feira, dia 24 – uma manifestação concorrida de desagravo, na entrada da Justiça Federal, na Avenida Venezuela 134, apoiou Bretas, e espicaçou Mendes. Do meio da tarde para o começo da noite a aglomeração cresceu, com a presença de artistas como Caetano Veloso, Thiago Lacerda e Cristiane Torloni. No final da tarde o juiz desceu do quarto andar do bloco B, onde fica a movimentada 7.ª vara. Tinha a companhia da juíza federal Simone Diniz Bretas, sua esposa há 22 anos, que despacha no bloco A do mesmo prédio, e, também, a de três seguranças à vista (e mais três dispersos), “um incômodo necessário”.Formavam um casal elegante – ela mais comunicativa com os artistas que foram cumprimentá-los, ele muito formal. Parecia um grande pedaço de mármore – tem 1,87 de altura e 105 quilos – ao cumprimentar o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), dos poucos políticos profissionais a comparecer, além de Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Alessandro Molon (Rede-RJ). Caetano Veloso não mereceu muito mais: um leve inclinar de cabeça e um contido “obrigado, obrigado”. Durante a manifestação, muito aplaudido, entrou mudo e saiu calado. Pouco depois, e pouca gente viu, os artistas e políticos subiram ao gabinete do quarto andar, onde o juiz os recebeu, com a mulher ao lado, mais descontraído.“

Não falei, durante o ato, porque não convinha”, disse o juiz ao Estado depois do encontro com os artistas. “Nenhum tipo de confronto é interessante. Era um desagravo, eu fui convidado e fui. A presença no ato já simboliza uma concordância. No Judiciário, a simbologia conta muito. Estar ali, tendo ao lado o presidente do Tribunal (TRF-2, desembargador André Fontes), fala mais do que as palavras”.

NO LUCROFaz tempo que Marcelo Bretas está no lucro – desde os 11 anos, quando um apêndice supurado quase quase o levou, ou desde os 23, quando o carro que dirigia invadiu a traseira de um caminhão, tarde da noite, em plena Via Dutra, na altura de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, onde então morava. Tem a data na ponta da língua: 23 de setembro de 1993. Voltava cansado para casa – e, admitiu, costumava correr muito.”Sou muito grato a Deus, recebi muito mais do que pedi”, disse o juiz ao relatar os dois dramas. O acidente, que o deixou duas semanas fora do ar, resultou em sequelas graves no rosto. Ao longo dos anos, foram dez microcirurgias. Já está bem melhor, mas, vista de perto – ele mesmo se aproxima, para mostrar – a face ainda exibe cicatrizes, estranhos movimentos labiais, desníveis entre os dois olhos e entre as duas orelhas. Por causa desse último, a haste dos óculos, que raramente tira, se sustenta no crânio, por pressão, e não nas orelhas.“Já nascemos na igreja evangélica”, disse ao Estado o comerciante Adenir de Paula Bretas, de 73 anos, descendência espanhola, pai do juiz. Seus olhos muito azuis - que encantaram dona Valdete -tomam conta de uma grande loja de bijouterias no Saara, movimentado comércio popular no centro do Rio. 

O comerciante constrói e aluga imóveis, também. Assinou a carteira profissional de Marcelo, o mais velho de quatro, quando este tinha 12 anos. O garoto, nascido em Nilópolis e criado em Queimados, na Baixada Fluminense, mais atrapalhava do que ajudava em um pequeno supermercado que o pai fazia prosperar, antes das bijouterias.Por Adenir – nome também do irmão caçula, pastor evangélico – o primogênito o seguiria no ramo comercial. “Minha mãe dizia que queria um advogado na família – o que acabou pesando”, contou o juiz da Lava Jato. Bretas disse que antes de entrar na Faculdade de Direito, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990-1994), foi um lulista-petista de carteirinha: “Eu gostava muito do Lula entre 1986 e 1989. Votei nele contra o Collor. Usei camiseta, boné, participei de passeata...”. 

É econômico sobre o PT, Lula e a Operação Lava Jato de hoje: “Não conheço os processos, por isso não posso falar. Mas não quero saber de partido. Eu só olho a corrupção. Para mim não é importante saber qual é a orientação do sujeito”.Na faculdade, a vocação incipiente tomou uma injeção de ânimo quando o estudante algo desinteressado conheceu e se apaixonou por Simone Diniz. Além da beleza, vinha de uma família de advogados, a começar da mãe, e dedicava-se aos estudos. Apaixonou-se, também, e enfrentou com dedicação o difícil e longo período de recuperação do acidente que quase o matou, no penúltimo ano da faculdade. Casaram com pompa e honra, depois de formados, o noivo magérrimo e com o rosto ainda bastante avariado. A lua de mel foi dividida entre Paraty, no Rio, e Orlando, nos Estados Unidos. Entre os presentes, um bom apartamento, cotizado entre as duas famílias.Bretas foi, pela ordem dos concursos em que passou, oficial de Justiça Federal, promotor e, desde 1997, juiz federal. Um ano depois, a mulher escolheria a mesma carreira. A vida profissional os levou, sempre juntos, ou próximos, para cidades do interior do Rio – como Volta Redonda e Três Rios. Em 2003, já com dois filhos, sentaram praça na Justiça Federal da serrana Petrópolis, morando em condomínio de luxo nas proximidades. Foram 12 anos de vida tranquila, confortável, evangélica, com muitas viagens ao exterior pelo meio – ele estima conhecer uns 30 países -, com o quase anonimato dos bem-sucedidos mortais comuns.


INQUIETUDE- Na narrativa do juiz federal, a primeira inquietude apareceu no segundo semestre de 2012, quando assistiu com assiduidade, pela TV, ao julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal. “Voltei a acreditar na Justiça que não tem medo dos poderosos – e comecei a querer participar desse processo”, disse.Em 2014, ainda “no interior”, para usar a expressão que usa, fez um mestrado, na Universidade Católica de Petrópolis: A privacidade e o poder investigatório: o limite entre o arbítrio e o respeito aos direitos fundamentais na hipótese de interceptação telefônica. Dedicou a dissertação à família, “presente de Deus e porto seguro que me faz ter a alegria de voltar pra casa todos os dias”. Família que no mesmo ano foi a tiracolo para Genebra, onde o juiz conseguiu um estágio de quatro meses na área de Direitos Humanos da representação diplomática do Brasil na ONU.Bretas pergunta, sobre a dissertação de 2014, como quem não quer nada, se foi observado um trecho divergente de decisão tomada pelo juiz Sérgio Moro um ano depois – a de quebrar o sigilo de ligações telefônicas entre a então presidente Dilma Roussef e o ex-presidente Lula. No trecho, o mestrando sublinha o rigor do Direito à privacidade em situação semelhante. ”Ainda penso assim. Eu não teria liberado”, diz, sem mais delongas, mas satisfeito por registrar a diferença.
É econômico sobre o PT, Lula e a Operação Lava Jato de hoje: “Não conheço os processos, por isso não posso falar. Mas não quero saber de partido. Eu só olho a corrupção. Para mim não é importante saber qual é a orientação do sujeito”.Na faculdade, a vocação incipiente tomou uma injeção de ânimo quando o estudante algo desinteressado conheceu e se apaixonou por Simone Diniz. Além da beleza, vinha de uma família de advogados, a começar da mãe, e dedicava-se aos estudos. Apaixonou-se, também, e enfrentou com dedicação o difícil e longo período de recuperação do acidente que quase o matou, no penúltimo ano da faculdade. Casaram com pompa e honra, depois de formados, o noivo magérrimo e com o rosto ainda bastante avariado. A lua de mel foi dividida entre Paraty, no Rio, e Orlando, nos Estados Unidos. Entre os presentes, um bom apartamento, cotizado entre as duas famílias.Bretas foi, pela ordem dos concursos em que passou, oficial de Justiça Federal, promotor e, desde 1997, juiz federal. Um ano depois, a mulher escolheria a mesma carreira. A vida profissional os levou, sempre juntos, ou próximos, para cidades do interior do Rio – como Volta Redonda e Três Rios. Em 2003, já com dois filhos, sentaram praça na Justiça Federal da serrana Petrópolis, morando em condomínio de luxo nas proximidades. Foram 12 anos de vida tranquila, confortável, evangélica, com muitas viagens ao exterior pelo meio – ele estima conhecer uns 30 países -, com o quase anonimato dos bem-sucedidos mortais comuns.

INQUIETUDE

Na narrativa do juiz federal, a primeira inquietude apareceu no segundo semestre de 2012, quando assistiu com assiduidade, pela TV, ao julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal. “Voltei a acreditar na Justiça que não tem medo dos poderosos – e comecei a querer participar desse processo”, disse.Em 2014, ainda “no interior”, para usar a expressão que usa, fez um mestrado, na Universidade Católica de Petrópolis: A privacidade e o poder investigatório: o limite entre o arbítrio e o respeito aos direitos fundamentais na hipótese de interceptação telefônica. 


Dedicou a dissertação à família, “presente de Deus e porto seguro que me faz ter a alegria de voltar pra casa todos os dias”. Família que no mesmo ano foi a tiracolo para Genebra, onde o juiz conseguiu um estágio de quatro meses na área de Direitos Humanos da representação diplomática do Brasil na ONU.Bretas pergunta, sobre a dissertação de 2014, como quem não quer nada, se foi observado um trecho divergente de decisão tomada pelo juiz Sérgio Moro um ano depois – a de quebrar o sigilo de ligações telefônicas entre a então presidente Dilma Roussef e o ex-presidente Lula. No trecho, o mestrando sublinha o rigor do Direito à privacidade em situação semelhante. ”Ainda penso assim. Eu não teria liberado”, diz, sem mais delongas, mas satisfeito por registrar a diferença. 

ESTADÃO CONTEÚDO

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