terça-feira, 8 de agosto de 2017

esporte



Sem técnicos nas grandes ligas, brasileiros aparecem apenas em três seleções

Além de Tite, na Seleção, somente Angola e Camboja contam com treinadores do Brasil. Principais torneios não contam com comandantes do país, enquanto argentinos se destacam

Por Daniel Mundim*, Rio de Janeiro
Beto Bianchi tem 50 anos. Como jogador, iniciou na Portuguesa, em 1978, passou por pequenos clubes até chegar à Espanha, em 1991. Tornou-se técnico em categorias de base no país, passou por Indonésia, Bélgica e Emirados Árabes, e hoje comanda a seleção de Angola. Leonardo Vitorino tem 43 anos. Como atleta, teve experiência em equipes menores do Rio no início dos anos 1990. Formou-se em Educação Física, trabalhou nos Estados Unidos, no Santos de Angola, onde recebeu um convite para trabalhar no Al Gharafa, do Qatar, e não deixou mais a Ásia. Hoje é técnico da seleção do Camboja. Ambos têm algo em comum com Tite, técnico do Brasil. São os únicos brasileiros treinadores de seleções nacionais no planeta.
A divisão das nacionalidades dos técnicos nas seleções (Foto: Infoesporte) 
A divisão das nacionalidades dos técnicos nas seleções (Foto: Infoesporte)
No entanto, apenas o comandante do time pentacampeão mundial estará na Copa do Mundo de 2018. Angola e Camboja foram eliminados de suas respectivas eliminatórias e não estarão na Rússia. A presença tímida de brasileiros no comando de times no futebol internacional se repete entre os clubes. Na Libertadores, são oito. Todos nas equipes representantes do Brasil no torneio. Nas seis maiores ligas europeias (Inglaterra, Espanha, Alemanha, França, Itália e Portugal) e na Liga dos Campeões não há técnicos brasileiros. A comparação com a Argentina evidencia a falta de prestígio dos comandantes nascidos por aqui.
Os argentinos estão em oito seleções. Apenas alemães, com 10, e franceses, com nove equipes, ficam na frente. Na Libertadores, os "hermanos" são líderes com folga. São 13 equipes treinadas por eles na competição. Na Liga dos Campeões da temporada passada, estiveram em três times. A Argentina é o único país não europeu que contou com técnicos na maior competição de clubes do mundo. E não para por aí. Há treinadores argentinos nas ligas nacionais da França (Lille), Inglaterra (Southampton e Tottenham) e Espanha (Atlético de Madrid, Alavés e Sevilla).
Técnico de cinco seleções diferentes e com participação em seis Copas do Mundo como técnico e uma como coordenador-técnico, Carlos Alberto Parreira reconhece: o treinador brasileiro não tem tanto prestígio internacional. Mas ele acredita que isso vá mudar.
– Nós nunca tivemos protagonismo no futebol mundial. Se me perguntar a razão, é difícil explicar. Talvez a falta de formação dos técnicos brasileiros. Agora começamos a ter com a formação dos treinadores, do idioma. Foram poucas oportunidades. Foram poucos que foram lá para fora. Acho que não falta qualidade para assumir lá fora e ter sucesso – avaliou.
Os únicos brasileiros que comandam seleções (Foto: Infoesporte) 
 Qual a diferença entre Argentina e Brasil?

Os argentinos não só têm mais representantes em comissões técnicas mundo afora, como são os mais assíduos em seleções expressivas. Das 10 mais bem posicionadas no ranking da Fifa, três equipes contam com um argentino no comando: a própria Albiceleste, o Chile e a Colômbia. Se considerados os 50 melhores da lista, Peru, Egito e Equador também contam com técnicos nascidos na Argentina.
As seleções treinadas por brasileiros – com exceção de Tite – estão na periferia do futebol mundial. Angola é a 141ª no ranking da Fifa, e Camboja ocupa a 173ª posição. A língua espanhola é um trunfo para os hermanos. Facilita a inserção no mercado latino-americano. Mas não é o essencial. A formação faz diferença. A Argentina conta com cursos da Associação de Técnicos do Futebol Argentino desde 1963. No Brasil, a CBF começou o seu curso em 2005. Na Argentina, estudar futebol é um costume, como cita o jornalista Roberto Parrottino, do jornal “Tiempo Argentino”.
– Os cursos de treinadores na Argentina são um hobby para muitos amantes do futebol, tanto quanto estudar jornalismo esportivo. Uma espécie de caminho alternativo para entrar no mundo do futebol. Muitos não chegam a jogar na Primeira Divisão, mas sim a ser treinadores. Sampaoli, por exemplo, não jogou futebol profissionalmente – expõe Roberto.
A divisão das nacionalidades da última Liga dos Campeões, considerando desde os playoffs e os treinadores com mais jogos em cada equipe (Foto: Infoesporte) 
A divisão das nacionalidades da última Liga dos Campeões, considerando desde os playoffs e os treinadores com mais jogos em cada equipe (Foto: Infoesporte)
O curso é uma barreira. A CBF está aperfeiçoando a sua escola. Ainda neste ano, deve ampliar os cursos para bases em todas as regiões do país e, como parte de um programa da Conmebol, terá sua licença incorporada pela entidade. A meta é que, em 2019, todas associações sul-americanas exijam que os treinadores façam curso para trabalhar. Para Leonardo Vitorino, atual comandante do Camboja, a formação é um obstáculo para os brasileiros, especialmente para os que ambicionam, um dia, trabalhar fora do país.
– Muitos treinadores brasileiros querem oportunidade no exterior, mas têm que se preparar. Se quero trabalhar na liga inglesa, tenho que estar com inglês afiado. O Guardiola, antes de assumir o Bayern, ficou seis meses fazendo alemão. Ele se preparou. Acredito nisso, na preparação. Se um treinador tem sonho, falo do treinador de nível médio, não falo dos tops, se eles têm sonho de trabalhar no exterior, como não vai se preparar? – questiona o técnico.
Os argentinos técnicos de seleções:
  • Jorge Sampaoli (Argentina)
  • Juan Antonio Pizzi (Chile)
  • José Pékerman (Colômbia)
  • Ricardo Gareca (Peru)
  • Gustavo Quinteros (Equador)
  • Héctor Cúper (Egito)
  • Esteban Becker (Guiné Equatorial)
  • Edgardo Bauza (Emirados Árabes)
O jornalista Roberto Parrottino cita outra particularidade do país vizinho que ajuda a explicar o número expressivo de treinadores com êxito na profissão: Marcelo Bielsa. Os amantes do futebol na Argentina sempre se dividiram pelos estilos de dois grandes técnicos do passado: os “menottistas”, em referência a César Luis Menotti, campeão mundial em 1978, e os “bilardistas”, que seguem Carlos Bilardo, campeão com Maradona em 1986. Mas, segundo Parrottino, Bielsa rompeu essa linhagem e fez surgir uma nova escola.
– Ele (Bielsa) cortou essa briga que se tornava insubstancial, reconstruiu ideias e as colocou em debate. O futebol entrou em outro nível. Quando não dirige uma equipe, Bielsa viaja pelo mundo, evangeliza como se fosse um guru, dá conferências de liderança. Ao mesmo tempo, muitos de seus ex-comandados se converteram em técnicos e com relativo êxito: Diego Simeone, Mauricio Pochettino, Eduardo Berizzo, Gabriel Heinze. E outros, que não o tiveram como treinador, são seguidores do “bielsismo”, como Sampaoli e Juan Antonio Pizzi – detalha Parrottino.
A divisão das nacionalidades na Libertadores deste ano: foram considerados os técnicos com mais partidas em cada clube (Foto: Infoesporte) 
A divisão das nacionalidades na Libertadores deste ano: foram considerados os técnicos com mais partidas em cada clube (Foto: Infoesporte)
O que falta aos brasileiros?
Com experiência em sete países diferentes, Beto Bianchi, treinador de Angola, ressalta que a falta de prestígio internacional dos brasileiros não é culpa apenas dos técnicos. É, também, um resultado da postura dos jogadores. Bianchi reforça que os atletas do Brasil ainda estão em processo de amadurecimento tático. E isso faz efeito no surgimento de novos treinadores.
– Sabemos que o jogador brasileiro, em geral, é muito indisciplinado. Dá prioridade à individualidade do que ao conjunto. Na Europa é o contrário. Existe o tabu no Brasil que a disciplina tática tira a individualidade do jogador brasileiro. O Neymar aprendeu muito na Europa e continua criativo como antes – diz o técnico.
O último brasileiro a treinar uma equipe na Liga dos Campeões da Europa foi Leonardo, com a Inter de Milão, em 2011. Ele foi até as quartas de final naquele ano, melhor desempenho de um comandante do Brasil no maior torneio de clubes do mundo. Zico, em 2008 com o Fenerbahçe, também ficou entre os oito melhores da competição.
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