Sem técnicos nas grandes ligas, brasileiros aparecem apenas em três seleções
Além de Tite, na Seleção, somente Angola e Camboja contam com treinadores do Brasil. Principais torneios não contam com comandantes do país, enquanto argentinos se destacam
Por Daniel Mundim*, Rio de Janeiro
Beto Bianchi tem 50 anos. Como jogador, iniciou na Portuguesa, em 1978,
passou por pequenos clubes até chegar à Espanha, em 1991. Tornou-se
técnico em categorias de base no país, passou por Indonésia, Bélgica e
Emirados Árabes, e hoje comanda a seleção de Angola. Leonardo Vitorino
tem 43 anos. Como atleta, teve experiência em equipes menores do Rio no
início dos anos 1990. Formou-se em Educação Física, trabalhou nos
Estados Unidos, no Santos de Angola, onde recebeu um convite para
trabalhar no Al Gharafa, do Qatar, e não deixou mais a Ásia. Hoje é
técnico da seleção do Camboja. Ambos têm algo em comum com Tite, técnico
do Brasil. São os únicos brasileiros treinadores de seleções nacionais
no planeta.
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A divisão das nacionalidades dos técnicos nas seleções (Foto: Infoesporte)
A
divisão das nacionalidades da última Liga dos Campeões, considerando
desde os playoffs e os treinadores com mais jogos em cada equipe (Foto:
Infoesporte)
No entanto, apenas o comandante do time pentacampeão mundial estará na
Copa do Mundo de 2018. Angola e Camboja foram eliminados de suas
respectivas eliminatórias e não estarão na Rússia. A presença tímida de
brasileiros no comando de times no futebol internacional se repete entre
os clubes. Na Libertadores, são oito. Todos nas equipes representantes
do Brasil no torneio. Nas seis maiores ligas europeias (Inglaterra,
Espanha, Alemanha, França, Itália e Portugal) e na Liga dos Campeões não
há técnicos brasileiros. A comparação com a Argentina evidencia a falta
de prestígio dos comandantes nascidos por aqui.
Os argentinos estão em oito seleções. Apenas alemães, com 10, e
franceses, com nove equipes, ficam na frente. Na Libertadores, os
"hermanos" são líderes com folga. São 13 equipes treinadas por eles na
competição. Na Liga dos Campeões da temporada passada, estiveram em três
times. A Argentina é o único país não europeu que contou com técnicos
na maior competição de clubes do mundo. E não para por aí. Há
treinadores argentinos nas ligas nacionais da França (Lille), Inglaterra
(Southampton e Tottenham) e Espanha (Atlético de Madrid, Alavés e
Sevilla).
Técnico de cinco seleções diferentes e com participação em seis Copas
do Mundo como técnico e uma como coordenador-técnico, Carlos Alberto
Parreira reconhece: o treinador brasileiro não tem tanto prestígio
internacional. Mas ele acredita que isso vá mudar.
– Nós nunca tivemos protagonismo no futebol mundial. Se me perguntar a
razão, é difícil explicar. Talvez a falta de formação dos técnicos
brasileiros. Agora começamos a ter com a formação dos treinadores, do
idioma. Foram poucas oportunidades. Foram poucos que foram lá para fora.
Acho que não falta qualidade para assumir lá fora e ter sucesso –
avaliou.
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Qual a diferença entre Argentina e Brasil?
Os argentinos não só têm mais representantes em comissões técnicas
mundo afora, como são os mais assíduos em seleções expressivas. Das 10
mais bem posicionadas no ranking da Fifa, três equipes contam com um
argentino no comando: a própria Albiceleste, o Chile e a Colômbia. Se
considerados os 50 melhores da lista, Peru, Egito e Equador também
contam com técnicos nascidos na Argentina.
As seleções treinadas por brasileiros – com exceção de Tite – estão na
periferia do futebol mundial. Angola é a 141ª no ranking da Fifa, e
Camboja ocupa a 173ª posição. A língua espanhola é um trunfo para os
hermanos. Facilita a inserção no mercado latino-americano. Mas não é o
essencial. A formação faz diferença. A Argentina conta com cursos da
Associação de Técnicos do Futebol Argentino desde 1963. No Brasil, a CBF
começou o seu curso em 2005. Na Argentina, estudar futebol é um
costume, como cita o jornalista Roberto Parrottino, do jornal “Tiempo
Argentino”.
– Os cursos de treinadores na Argentina são um hobby para muitos
amantes do futebol, tanto quanto estudar jornalismo esportivo. Uma
espécie de caminho alternativo para entrar no mundo do futebol. Muitos
não chegam a jogar na Primeira Divisão, mas sim a ser treinadores.
Sampaoli, por exemplo, não jogou futebol profissionalmente – expõe
Roberto.
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O curso é uma barreira. A CBF está aperfeiçoando a sua escola.
Ainda neste ano, deve ampliar os cursos para bases em todas as regiões
do país e, como parte de um programa da Conmebol, terá sua licença
incorporada pela entidade. A meta é que, em 2019, todas associações
sul-americanas exijam que os treinadores façam curso para trabalhar.
Para Leonardo Vitorino, atual comandante do Camboja, a formação é um
obstáculo para os brasileiros, especialmente para os que ambicionam, um
dia, trabalhar fora do país.
– Muitos treinadores brasileiros querem oportunidade no exterior, mas
têm que se preparar. Se quero trabalhar na liga inglesa, tenho que estar
com inglês afiado. O Guardiola, antes de assumir o Bayern, ficou seis
meses fazendo alemão. Ele se preparou. Acredito nisso, na preparação. Se
um treinador tem sonho, falo do treinador de nível médio, não falo dos
tops, se eles têm sonho de trabalhar no exterior, como não vai se
preparar? – questiona o técnico.
Os argentinos técnicos de seleções:
- Jorge Sampaoli (Argentina)
- Juan Antonio Pizzi (Chile)
- José Pékerman (Colômbia)
- Ricardo Gareca (Peru)
- Gustavo Quinteros (Equador)
- Héctor Cúper (Egito)
- Esteban Becker (Guiné Equatorial)
- Edgardo Bauza (Emirados Árabes)
O jornalista Roberto Parrottino cita outra particularidade do país
vizinho que ajuda a explicar o número expressivo de treinadores com
êxito na profissão: Marcelo Bielsa. Os amantes do futebol na Argentina
sempre se dividiram pelos estilos de dois grandes técnicos do passado:
os “menottistas”, em referência a César Luis Menotti, campeão mundial em
1978, e os “bilardistas”, que seguem Carlos Bilardo, campeão com
Maradona em 1986. Mas, segundo Parrottino, Bielsa rompeu essa linhagem e
fez surgir uma nova escola.
– Ele (Bielsa) cortou essa briga que se tornava insubstancial,
reconstruiu ideias e as colocou em debate. O futebol entrou em outro
nível. Quando não dirige uma equipe, Bielsa viaja pelo mundo, evangeliza
como se fosse um guru, dá conferências de liderança. Ao mesmo tempo,
muitos de seus ex-comandados se converteram em técnicos e com relativo
êxito: Diego Simeone, Mauricio Pochettino, Eduardo Berizzo, Gabriel
Heinze. E outros, que não o tiveram como treinador, são seguidores do
“bielsismo”, como Sampaoli e Juan Antonio Pizzi – detalha Parrottino.
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A
divisão das nacionalidades na Libertadores deste ano: foram
considerados os técnicos com mais partidas em cada clube (Foto:
Infoesporte)
GLOBO ESPORTEO que falta aos brasileiros?
Com experiência em sete países diferentes, Beto Bianchi, treinador de
Angola, ressalta que a falta de prestígio internacional dos brasileiros
não é culpa apenas dos técnicos. É, também, um resultado da postura dos
jogadores. Bianchi reforça que os atletas do Brasil ainda estão em
processo de amadurecimento tático. E isso faz efeito no surgimento de
novos treinadores.
– Sabemos que o jogador brasileiro, em geral, é muito indisciplinado.
Dá prioridade à individualidade do que ao conjunto. Na Europa é o
contrário. Existe o tabu no Brasil que a disciplina tática tira a
individualidade do jogador brasileiro. O Neymar aprendeu muito na Europa
e continua criativo como antes – diz o técnico.
O último brasileiro a treinar uma equipe na Liga dos Campeões da Europa
foi Leonardo, com a Inter de Milão, em 2011. Ele foi até as quartas de
final naquele ano, melhor desempenho de um comandante do Brasil no maior
torneio de clubes do mundo. Zico, em 2008 com o Fenerbahçe, também
ficou entre os oito melhores da competição.

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