O príncipe e os coqueiros
Fábio Arantes/Divulgação - Príncipe Harry visita Cracolândia; os garis são dependentes químicos que participam …O príncipe Harry da Inglaterra é daqueles caras que tem por ofício ser perfeito –ou parecer que é. Mas já posou pelado em uma festinha com amigos e amigas, para delícia dos jornais sensacionalistas; já confessou envolvimento com álcool e drogas além da conta; já foi visto em uma balada à fantasia vestindo uniforme nazista, inclusive braçadeira com suástica. Um cretino.
Harry levou uma dura, pediu desculpas pela bagunça e tudo bem. A vida continua. Afinal, ele é filho da finada Lady Di e do príncipe Charles e quarto na linha sucessória do trono inglês.
Em 2006, Harry fundou uma ONG para ajudar crianças órfãs em um dos países mais pobres da África, Lesoto. Em 2008, foi agraciado com uma medalha por sua atuação militar no Afeganistão.
Ele teve uma segunda, terceira, quarta e quinta chances. Teria mil, se necessário fosse, porque –afinal-- é príncipe.
Na quinta (26/junho), o ex-transviado de sangue azul, que agora dizem estar “regenerado”, visitou o quadrilátero do vício em São Paulo, a Cracolândia, onde foi conhecer os resultados de um programa ousado de tratamento de dependentes químicos, o Braços Abertos, da Prefeitura de São Paulo.
É, as coisas mudaram por ali. Um príncipe no pedaço, em vez de tropas policiais atirando balas de borracha e bombas para dispersar milhares de usuários de pedras de crack em busca da droga.
Harry conversou com gente que ainda acende seu cachimbo de crack, mas agora com uma frequência bem menor. Que voltou a trabalhar, a morar sob um teto (e não ao relento), a ter atendimento médico.
Como R., que pela primeira vez em 15 anos, desde que foi expulsa de casa pela família, vive em um apartamento de um hotel popular da região, pago pela Prefeitura. Careca, R. está em luta contra o crack e para viver. Ela tinha um tumor cancerígeno de 15 centímetros de diâmetro na parte posterior do braço, que foi cirurgicamente extirpado.
Por causa da quimioterapia, não consegue mais fumar o cachimbo. Está deprimida (é um dos efeitos da abstinência). Agora, descobriu uma metástase no seio direito. Ficou mais triste ainda.
A amiga J, uma mulher negra em tudo parecida com a soprano americana Jessye Norman, inclusive na voz, mesmo tendo de lidar com os três filhos pequenos, e o marido dependente de álcool e crack, ouve os reclamos da vizinha, consola-a.
J. mora em um apartamento no andar térreo de um antigo hotel da rua Dino Bueno, no coração da Cracolândia. Na portaria bem organizada, clara e limpa, um zelador cuida de organizar as visitas. Não é permitida a venda e consumo de drogas lá dentro; e isso é parte do acordo com os usuários que participam do programa. Muitas crianças de aparência saudável correm para lá e para cá.
O apartamento é pequeno, apenas um quarto e banheiro. Mas, desde que o Braços Abertos começou a funcionar, J. já conseguiu parar de fumar (agora luta para que o marido também pare). Os filhos passam o dia na escola, enquanto ela faz curso para cuidadora de idosos. Se o marido, que é muçulmano, não se emendar, J. acha que terá de largá-lo. Mas ela gosta dele.
A mudança mais explícita, porém, diz respeito ao tamanho do chamado “fluxo”, a muvuca de usuários em busca da droga. Pois bem, o “fluxo” ainda está lá, ao lado de um imenso terreno vazio, onde era a antiga rodoviária de São Paulo. Mas se antes reunia milhares de almas penadas vagando atrás da pedra, hoje as almas contam-se na casa das dezenas, às vezes centenas (no começo do mês, quando recebem o salário, usuários esporádicos da droga aparecem em maior número para fumar o cachimbo).
Poucos passos separam o “fluxo” da tenda do programa “Braços Abertos”, com um espaço de convivência dotado de mesas e cadeiras, além de um telão onde passam os jogos da Copa. E onde assistentes sociais que conhecem os usuários pelo nome, acodem quem está precisando.
As ruas estão mais limpas --228 dependentes químicos que participam do programa prestam serviço como varredores e tem, depois de anos, o primeiro emprego. Recebem R$ 15 por dia, três alimentações diárias e vagas nos hotéis populares.
Ninguém espera que o programa consiga resgatar todos os usuários atuais do sofrimento da dependência química. Aqui e ali, ainda se vêem brigas entre usuários “muito loucos” (que são logo apartadas pelos demais). Mas já é possível perceber que há esperança onde antes só havia desespero.
Se o príncipe Harry ganhou mil chances, porque não dar umazinha para aquele pessoal ali?
Fonte: Yahoo
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