Em 1962, Chile supera terremoto, mas não pode com Garrincha e Amarildo
Anfitriões passaram por maior abalo sísmico da história dois anos antes de Mundial. Brasil vê ambiente se transformar, mas Mané desequilibra, é expulso, mas joga a final
Há 52 anos, o clima de decisão borbulhava em Santiago e em todo o Chile. Uma “Roja” jovem, cheia de esperança e com uma missão considerada impossível: passar pelos campeões mundiais. Era o Brasil de Garrincha, Didi, Nilton Santos e tantos craques que levaram o a seleção canarinho ao bicampeonato mundial na Copa do Chile de 1962. O duelo deste sábado no Mineirão entre Brasil e Chile repete aquela história de décadas atrás, mas de maneira inversa. O time da casa, que conta com toda a torcida a favor, agora é o Brasil. Os visitantes, que podem acabar com a festa dos locais, são os chilenos.
Em reportagem especial, o GloboEsporte.com conta bastidores daquela história. Era o último passo antes do título brasileiro conquistado no Chile, em final contra Tchecoslováquia – 3 a 1 para o Brasil. Era a Copa de Pelé, mas o Rei se lesionou no segundo jogo. Foi a Copa de Garrincha, de Vavá, de Didi, de tantos jogadores que fizeram história no futebol brasileiro, era a Copa de Amarildo, o Possesso, que entrou no lugar do Rei e se consagrou para sempre. Conheça ou relembre abaixo algumas histórias daquele confronto entre a seleção brasileira e a chilena.
“Porque não temos nada, então faremos tudo”
Era a terceira vez que o continente receberia a Copa. O Chile venceu a disputa contra a Argentina por 32 votos a 10, apesar dos problemas de infraestrutura e de ainda ser um país pobre – durante a Copa foi alvo de ironias de jornais internacionais. O presidente do Comitê Organizador da candidatura Carlos Dittborn, porém, impressionou os votantes da Fifa ao dizer a célebre frase em 1956 no congresso da entidade em Lisboa: “Porque não temos nada, então faremos tudo”. Quatro anos depois, em 22 de maio de 1960, dois anos antes da Copa, um trauma que deixaria marcas para sempre. O Chile sofreria com o maior terremoto da história. Os abalos sísmicos atingiram 9,5 graus na escala Richter. A geografia do litoral chileno seria alterada, quatro sedes no sul do país seriam descartadas (Santiago não foi atingida) e quase seis mil pessoas morreriam dentro e fora do Chile – o terremoto provocou tsunami e mais óbitos no Havaí e nas Filipinas. A Copa estava ameaçada e o clima era de comoção popular, mas o país conseguiu se reerguer. Perto da Copa, outro impacto, Dittborn, autor da frase determinante para o Mundial chileno, morreria 32 dias antes do torneio de pancreatite aguda.
Da simpatia à guerra psicológica
Quatro anos mais velhos – ou mais experientes -, Didi, Pelé, Garrincha, Vavá, Nilton Santos, Djalma Santos e cia eram os favoritos para conquistar o Mundial no Chile. E contavam com a simpatia da torcida. Até cruzarem com o Chile. “De uma hora para a outra, tudo mudou. A torcida, a imprensa, todos se voltaram contra a gente, nos tratavam mal e faziam coisas que eles achavam que iam nos desestabilizar. Porque na bola eles sabiam que não tinham chance. Éramos muito superiores”, lembra Amarildo, o Possesso, que substituiu Pelé, o astro principal do Brasil, após o Rei se lesionar no primeiro tempo do segundo jogo do campeonato – diante da Tchecoslováquia, ainda na fase de grupos. Depois da goleada sobre o Chile, os brasileiros sacaram uma bandeira chilena e deram uma volta olímpica no estádio Nacional: “Aí todos nos aplaudiram. Também não tinha como ser diferente”, recorda-se o Possesso.
Primeiro Mundial transmitido pela TV
O jornalista Cristian Bustos, de 60 anos, está no Brasil para a cobertura da partida deste sábado. Ele tinha oito anos, mas se lembra do clima de euforia para ver aquele jogo. “Era a primeira Copa que seria transmitida em preto e branco pela TV no Chile. A televisão era uma novidade. Para ver a Copa então, era maravilhoso. Lembro que se juntaram mais de 30 pessoas na minha casa. Tínhamos consciência de que era quase impossível vencer o Brasil, mas era uma festa de qualquer jeito. Todos queriam ver Pelé, mas quando Pelé ficou fora, Garrincha virou a atração”, recorda-se ele, que vê bem mais chances do Chile vencer o Brasil desta vez.
“Con Didi o sin Didi los haremos hacer pipi”
A manchete era do extinto jornal chileno Clarín. Os veículos de comunicação faziam as vezes de torcedores, como é comum até hoje em todos os cantos do mundo. Outro jornal chileno comemorava a ausência de Pelé: “Que bom que Pelé não jogará”. O Brasil se mostrava confiante mesmo sem o melhor jogador de todos os tempos em campo. Afinal, tinha Garrincha. O camisa 7 marcaria dois gols na vitória de 4 a 2 sobre o Chile. E um jogador se sobressairia também. “Não tinha Pelé, mas tinha o Possesso”, diz ainda hoje Amarildo, relembrando seu apelido na terceira pessoa. O técnico Aimoré Moreyra fazia pouco caso da ameaça chilena: “Não importa, temos um quadro superior com Pelé ou qualquer outro jogador. Até o nosso time reserva é capaz de ganhar do Chile. Embora não jogue tanto como o time titular”, dizia o treinador, em declarações contundentes que ficaram no passado.
Medo de sabotagem
O Brasil viajaria às 10h30, de trem, saindo de Viña del Mar para Santiago. O Jornal do Brasil manchetava que a delegação temia sabotagem na alimentação do trajeto. O ambiente era de guerra, dizia o periódico: “A simpática Santiago se transformou em um pelourinho, no qual temos uma multidão antegoza, com fúria, esperando o instante em que destruirão um inimigo já humilhado e sempre odiado”. Os jornais brasileiros relatavam casos de agressões a brasileiros depois da vitória sobre a Inglaterra, no jogo que antecede às semifinais.
A lição de 1950
Falecido recentemente, Nilton Santos disputou quatro Copas do Mundo. A primeira foi no Brasil, em 1950, quando foi reserva do lateral Bigode. Entrevistado às vésperas do jogo contra os donos da casa, a Enciclopédia abriu o verbo e criticou o clima hostil criado para o confronto entre chilenos e brasileiros: “Essa mesma patriotada que terminou mal em 1950”, ensinava ele, que lembrava da facilidade com que o Brasil sempre vencera os chilenos, em jogos amistosos a torneios continentais. O técnico do Chile, Fernando Rieira, mostrava confiança: “O Chile tem mais possibilidade de ir à final”, dizia ele, que enxergava seu time como franco-atirador do confronto. Mas havia preocupação com a euforia criada para a partida. Nos jornais, anúncios pediam ao público: “Não gritem muito durante o jogo, pois poderá ser prejudicial à tranquilidade da equipe e dos jogadores”.
O baile de Garrincha e o pedido de Jango
O anjo das pernas tortas era diabólico em campo, mas também não era santo. Sempre caçado pela ponta-direita, Garrincha respondia às faltas sofridas com deboches em forma de dribles. Mas na partida contra o Chile, no fim do jogo, ele não aguentou: “Dei um pontaté no Rojas (lateral chileno) para me vingar das agressões sofridas. Não aguentava mais”, confessou o brasileiro no vestiário. Testemunha do lance, Amarildo defende Mané: “Não aconteceu nada demais. Garrincha era incapaz de machucar uma formiga. Eles que fizeram um carnaval danado. Já vencíamos por 4 a 2”, lembrou o Possesso. De fato, Garrincha foi expulso de campo aos 38 minutos do segundo tempo. E jogaria a final.
Com força nos bastidores, o julgamento seria favorável ao camisa 7, que ainda contaria com uma força presidencial: “Estamos certos de que a Fifa vai fazer justiça à disciplina dos nosso atletas, assegurando para a disputa da final todos nossos valores, especialmente deste admirável Garrincha”, diria em carta o presidente João Goulart. Com Garrincha em campo, o Brasil celebraria seu bicampeonato com uma vitória por 3 a 1, gols de Amarildo, Zito e Vavá, que terminaria artilheiro do Mundial junto com Mané – quatro gols para cada.
Fonte: GE
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