QUANDO
A DOR DE FICAR É
MAIOR QUE A DOR DE PARTIR
O
homem bicentenário (1999) é dirigido por Chris Columbus e narra a
história de uma família que compra um novo objeto doméstico, um
robô ao qual lhe dão o nome de Andrew. Aos poucos o robô apresenta
traços característicos de um humano como curiosidade, aprendizagem,
inteligência, humor e personalidade própria ao se relacionar com a
família com quem convive.
O
filme é baseado em uma história de Isaac Asimov, escritor e
bioquímico americano, nascido na Rússia, autor de obras
científicas, considerado o pai da ficção científica. Sem dúvida,
o filme é uma aula de humanidade.
Após
longo tempo servindo e sendo útil à família que o comprou e sendo
propriedade deles, Andrew deseja sua liberdade, não quer mais
trabalhar para a família e deseja ser reconhecido como um humano.
Após a morte de seu dono ele inicia a jornada em busca de sua origem
e de sua liberdade. Muitas conquistas vão ocorrendo e Andrew vai se
transformando de robô autômato em um corpo de humano, porém sua
longevidade não é humana; ele vive e todos que ama partem e ele
permanece ano após ano. Ao se transformar em humano também perderá
a condição de imortal.
O
cinema tem a capacidade de nos emocionar, mas igualmente proporciona
reflexão que ampliam nossos horizontes e percepções de mundo. O
que seria de nós sem essa capacidade de nos emocionarmos? Nós
estamos nos filmes e é por isso que nos identificamos e nos
projetamos neles.
O
homem bicentenário nos questiona sobre o que realmente nos torna
humanos?
É
a condição de sentir o gosto dos alimentos, é a sexualidade, é o
trabalho, é o ganhar dinheiro, é ter uma casa? Tudo isso nos torna
seres humanos, porém sentir emoções e ter a consciência da
finitude é da natureza do homem. Ao mesmo tempo somos questionados
sobre qual é o sentido da liberdade? O que significa ter livre
arbítrio e fazer escolhas?
Para
mim, esse filme é uma das obras-primas do cinema mundial e a atuação
do Robin Willians é primorosa, lamentei por ele ter desistido da
vida, mas carregava dentro si uma alma devotada na tristeza e na dor,
que suas atuações permitiam mascarar, mas a vida real não.
Andrew
tem uma parceira de nome Porchea, ele tenta transparecer que não
está percebendo o envelhecimento dela, pois aparenta menos idade do
que realmente tem. Porchea reforça que não se sente com cinquenta
anos e que existe uma ordem natural na vida, que os seres humanos
estão destinados a permanecer um tempo e depois partem.
Andrew
faz menção ao elixir que desenvolveu para ela como possibilidade
para a manutenção e prolongamento da sua vida, mas a vida tem
limites que ele desconhece, pois é imortal.
Nas
cenas finais do filme Andrew morre, minutos antes de ser declarado
humano. A nossa vida está na impermanência, em sermos mortais,
podemos negar, mas não fomos feitos para durar uma eternidade e mais
seis meses. Nosso tempo é curto, é pequeno. É o tempo de vir
contar uma história e partir.
O
que fazemos com o tempo que temos? Quais são nossas escolhas? Que
jornadas interiores fazemos? Que descobertas são necessárias?
É
um filme belíssimo para pensar a vida e o viver; ele nos ajuda a
aprimorar nossa condição de não robôs, mas vivendo por vezes como
se fossemos. Acorda, come, trabalha, almoça, estuda, faz sexo,
dorme, acorda e tudo se repete de novo e de novo até os botões
biológicos se desligarem. Nossa sorte é que não somos avisados de
quando eles param, mas podemos contar com isso, pois não somos
robôs, somos humanos e a finitude está em nós, em
nosso DNA.
Maria
Emília Bottinii
i Psicóloga
da Clínica Ser
Mestre
em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF)
Doutora
em Educação pela Universidade de Brasília (UnB)
Autora
do livro No cinema e na vida: a difícil arte de aprender a morrer.
E-mail:
emilia.bottini@gmail.com